Pandemia crucis
Tem um remexido
Grão de pólen seco em meus
Olhos de nuvens,
De fé.
Quando criança
Olho e dedo em arabesco
Sob as árvores
Esfumavam pinturas
Em faiança.
Eu não me sabia gente
Era flor, panelinhas,
Todo objeto que continha.
Não sabia que pessoas
Morriam torturadas
Em calabouços ensurdecidos.
Não sabia que havia
Lutas e mães que choravam
Quando cresceram meus pelos
O volume dos meus seios
Adiantaram-se como pinhas,
Abraçaram e beijaram bocas
Encontrei novo sentido e substância
Para as minhas panelinhas.
Envelheço ainda com bocas
De desejo e seio forte.
A criança renasce em mim
Novamente, todos os dias,
Sob a mesma árvore
Que me gerou em seu corte.
A dor veio grossa em parafina
Quente, grudada na pele.
Pessoas de pele fina pedindo
O sopro lunar, vulgar e reles
De poder respirar… respirar.
A morte é um ronco
Que roubamos da eternidade
Quando ela se distrai
Olhando arrebóis magníficos
Ou repetindo os refrões zonzos
Dos velórios e seus ofícios.
Levo minha criança passear
Entre corpos que não sonham mais.
Árvores, pássaros, cantigas
Levaram consigo o oxigênio
Que purificava nossa infância
No perfume do vapor.
Ainda somos ignorantes e assassinos
Do dia manso, liquefeito
Em dólar, euro, usinas insanas
Do desafeto, do poder, do horror.
Deflagramos a guerra e
Matamos a criança
E lançamos ao mar nossos nomes
Espetados na vertigem da lança.
Sujamos de escarro as esquinas,
Mas não, somos bons!
Apenas quedamos
Nas órbitas lunáticas das cloroquinas
Alucinadas em que nos enredamos.
O ovo saiu do cu da galinha
Mas não era redondo, nem liso,
Nasceram no meio da clara, as algemas,
Sem lírica, nasceram sem glória,
Sílica.
Pandemia Crucis,
Vurmo do lucro
Morte obscena.
Tânia Orsi
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