Um carro atravessa o Brasil. Ele leva um casal, sua gata e seu cachorro. Essa família leva uma mala pesada com as roupas, calçados e acessórios. Outra mala menor carrega itens de higiene pessoal, remédios, maquiagens e peças de roupa que são fáceis de trocar.
Existe ainda a mala com as rações, remédios e acessórios dos bichinhos. Não podemos esquecer da caixa térmica, que guarda algumas frutas, energéticos, achocolatados e guloseimas. Falemos também das garrafinhas de água, café e leite, essas estão sempre presentes nesse carro.
Vimos aí a lista de bagagens oficiais, que vão aumentando ao longo do caminho, somadas às lembranças – o que há de mais valioso.
Estrada longa, parcialmente desconhecida e sempre diferente.
O trânsito da rodovia pode parar por algum motivo, levando esse carro a decidir pegar um desvio, se essa for a melhor opção logística.
Estradas de chão, poeira, mato, animais silvestres, casinhas no meio do nada, vilas simpáticas, cachoeiras e lagos estão entre as coisas que os olhos desses viajantes já apreciaram nesses desvios.
Se acontece algum problema mecânico, pode ser que o carro tenha que parar e buscar o auxílio profissional mais próximo. Pode ser que um guincho seja necessário – ele pode demorar um pouco pra chegar.
Ou ainda pode ser que se aviste e seja possível chegar ao profissional ali perto da estrada e pode ser que ele já resolva o problema, ou pode ser que não.
Muitas coisas podem ser, assim como ocorre no caminho da vida. Uma coisa que se aprende quando se passa por vivências imprevisíveis é isso: diante de uma situação – boa ou ruim – sua experiência pode ajudar ou a sorte favorecer, mas a certeza só vem depois.
Esse fato amplia limites mentais, quebra barreiras que muitas vezes são imaginárias e ajuda a lidar com as situações de forma mais leve. Tudo isso é a lógica da poesia, tudo isso acontece em um carro que atravessa o Brasil.
Não lembro exatamente qual idade eu tinha quando ouvi pela primeira vez a música ‘Meu mundo e nada mais’, de Guilherme Arantes, mas lembro exatamente da sensação que ela me trouxe quando a ouvi em um momento em que a mistura daquelas palavras com aquela melodia era tudo o que eu precisava.
Quando senti que quem eu costumava ser não existia mais, ali eu entendi que ‘só sobraram restos’. As ‘verdades que eu sabia’ não estavam mais no meu sorriso.
Um vazio enche o coração no momento em que algo se quebra dentro da gente. Buscar o próprio mundo e nada mais é o resumo mais intenso do que se sente em um momento assim. Procurar o que ainda se tem.
Peças conectadas pela procura incansável.
Caminhos para novos destinos.
Pessoas confiáveis e capazes estão na base da reconstrução de um mundo que já foi quebrado.
Assim como uma música conhecida ganha um sentido especial no momento certo, momentos certos são como uma música conhecida – sempre terão um sentido especial.
Também me pergunto se ‘ainda vou sorrir sem um travo de amargura’, ainda não descobri, mas não desisto de tentar.
Tenho feito outro mundo para onde ir. Um abrigo, um recanto. Lá eu me escondo e me permito entristecer. Lá também sinto uma alegria que não se compara a nada existente em outro canto.
Mais cedo eu me senti segurando o peso do mundo sobre a cabeça.
Não estava carregando o mundo nas costas, eu não guardo sofrimentos antigos – sejam de anos ou de minutos, não mais.
Não estava com a pressão do mundo no peito, não tento enfrentar tudo ou todos, debater ou resolver, não mais.
Também não estava arrastando o mundo amarrado aos meus pés, eu não faço problemas novos sentirem-se em casa, não mais.
Já a cabeça sentiu a pressão de não guardar, não tentar resolver, não fazer questão.
A mente pesa ao sentir-se irritada, como quando aquele pó fino sobe ao chacoalhar uma roupa velha, causando os espirros infindáveis e incontroláveis.
Por mais que não se carregue o peso do mundo de uma vez, o pó fino das irritações do chacoalhar da rotina tem seu peso sobre a cabeça, trazendo, em algum momento, espirros incontroláveis de irritação.
Olhei para aquela mulher de trinta e poucos anos, casada, com dois filhos, um menino e uma menina. Ela casou jovem e junto do marido, construiu uma bela casa, planejou o primeiro filho, a segunda foi um presente.
A amiga dessa mulher, mesma faixa etária, solteira, sem filhos. Essa viajou por muitos países, conhecendo e levando consigo muitas culturas, comidas e pessoas de cada lugar.
A alegria pode vir de uma porta pintada com a certeza, fechada com um bom cadeado, que dá para um piso firme e bem colocado de uma sala cuidadosamente decorada.
Ela também pode estar em uma porta colorida pela busca, sem chave, você só empurra e percebe que ela não leva para um lugar fechado, ela abre um mundo novo onde nada é definido.
Pode ser que o conhecimento que você encontrou internamente, lhe faça se ver em pequenos olhinhos, em pezinhos que começam a traçar seu próprio caminho ao segurar a sua mão.
Ou ainda pode ser que você só vá se entender se vendo de fora, experimentando o novo, reconhecendo seu eu no desconhecido, criando a possibilidade que não lhe foi dada.
O mais bonito das diferenças é que elas são nítidas expressões de que não há fórmulas prontas, a felicidade é um desenho feito de próprio punho.