Élcio Mário Pinto: 'O progresso, a infância e os horizontes'
Élcio Mário Pinto: ‘O progresso, a infância e os horizontes’
Longe de prometer uma conversa nas profundezas da reflexão, lá estávamos, cada um em sua cadeira. Sem que nos déssemos conta das falas livres que se intercalavam, surgiu o assunto: minha infância!
E quem não tem muito a dizer de seu próprio tempo?
Não se trata de um tempo comum; tampouco, em comum com os outros. Para uma infância rememorada, seu tempo é como a mamãe para o bebê: só existe a sua; então, para a memória de quem cresceu, sua infância também é só uma.
Das palavras acotovelando-se para desfilar no imaginário da conversa e aparecer no espaço suspenso do olhar, eis o que aconteceu:
– O progresso encurtou os horizontes da minha infância.
– E, como se deu?
– Quando criança, via um ou outro prédio. A altura era um desafio completo! Como subir, escalar e conquistar as alturas? Nem com escada, nem com cordas. Só o Corpo de Bombeiros poderia chegar lá!
– E os horizontes, para onde foram?
– Ficaram desaparecidos por trás do que os prédios encobriram.
– Cadê, então, sua infância?
– Fiquei assustado, agora! Estou sem ela. Sinto que se perdeu antes que eu alcançasse aqueles horizontes que já foram meus.
– Então, o progresso…
– Mas, é claro! Ele chegou como quem entra sem pedir licença. Não quis me ouvir gritar, não me deu chance para explicar. Sem saber das minhas lágrimas, me impôs: “Agora, é tudo meu!”
– É essa a razão da dor do corpo todo?
– É a dor da mente sentimental. Ela se recusa a aceitar que o progresso tirou-me a praça, o campinho, as casas baixas, o céu limpo, a rua de terra e a esquina para brincar. Se eu tivesse tudo hoje, ainda que não brincasse, as lágrimas de saudades passeariam pelo bairro que me viu crescer.
– Volte ao seu bairro e diga que parte do menino ainda vive!
– E o que faço com o progresso?
– Desvie-se dele, ao menos, um pouco.
– Como?
– Caminhe até o poste e, com um banquinho, olhe por cima das casas. Os horizontes continuam lá. Ou então, vá aos parques. Quem sabe, ao Alto da Boa Vista e a todos os Altos conhecidos. As montanhas gostam de ajudar quem não se esquece dos horizontes.
(…)
Foi assim que a infância voltou para aqueles que conversavam. Numa correria de alegria, buscaram por suas ruas nas memórias das células, eternas que são, e viram as imagens das saudades:
NELAS, SEM AQUELE PROGRESSO, O TEMPO REVIVE!
Élcio Mário Pinto
01/06/2017
N.E.: Este belíssimo texto do escritor, colunista e grande amigo Élcio Mário Pinto foi inspirado na manhã de hoje, no local de trabalho dele (SEED de Votorantim), quando, por breves momentos, estivemos juntos e eu comentei com ele, de uma forma muito sentimental, que, além da idade, é o progresso, sobretudo, que me tem levado embora a infância.
Para um escritor inspirado, nada é corriqueiro, tudo é matéria-prima para um texto memorável!