O leitor participa: Renata Rodrigues nos apresenta sua tia Nena em: ‘Dizia minha tia…’ 5
Tia Nena
O leitor participa:
Renata Rodrigues nos apresenta sua tia Nena em: ‘Dizia minha tia…’ 5
Dizia minha tia que: “Quando um não quer, dois não brigam”.
Nem sempre o qual não quer é um dos dois, raras vezes pode ser um intruso conciliador.
Comecei a trabalhar muito jovem e, assim, tive colegas com mais (e muito mais) idade que eu por um bom tempo. Aos olhos dos jovens tudo é simples ou muito simples e eles não entendem os ‘complicômetros’ que os maduros geram para alimentar suas vidas. Um deles é a guerra de egos que os impede de ceder em uma batalha.
Quando era estagiária, trabalhei com dois senhores de muita opinião… e ambas contrárias, um gaúcho e outro pernambucano.
Um dia, voltando do almoço, encontrei ambos num duelo ferrenho:
─ Jandaia é pássaro! ─ dizia um.
─ Jandaia é fruta! ─ respondia o outro.
─ Pássaro, tenho certeza!
─ Fruta, sem sombra de dúvida!
E cada um de sua mesa repetia convicto, sem ouvir os argumentos do outro. “Pássaro!”. “Fruta!”. E minha paciência foi deslizando ao chão com os argumentos surdos dos dois.
Levantei-me escandalosamente de minha cadeira e me dirigi ao armário, para encontrar a melhor ferramenta de busca de época: o Dicionário Aurélio!
Os gladiadores ficaram em silêncio quando perceberam que a sessão estava aberta e o meu tribunal iria encerrar o caso em breve. Folheei de forma teatral as finas páginas do chamado ‘Pai dos Burros’ e, ao encontrar a página de letras ‘j’ e ‘a’, comecei a descer meu dedo pelo papel e, chegando à preciosa palavra, me pus a ler, sem som, com os lábios semicerrados para coroar meu momento de poder.
Com a sabedoria que não tinha e nem terei, iniciei a leitura da pauta:
Jandaia: substantivo feminino, ave da família dos psitacídeos (Aratinga solstitialis) que possui três raças distintas, encontradas na Amazônia e em várias regiões do Brasil, com cerca de 31 cm de comprimento, bico negro e plumagem laranja, amarela e verde também conhecida por cacaué, nandaia, nhandaia, queci-queci, quijuba.
Nesse momento, senti a respiração vitoriosa de quem nasceu em solo nordestino e conhecia mais de fauna que o colega dos pampas.
Mas, decidi com o poder que haviam me concedido, que a situação não terminaria assim para o bem de todos que trabalhavam naquela sala.
Então, voltei meus olhos para o livro sagrado e, com o dedo ainda marcando o ponto final, acrescentei uma vírgula imaginária e conclui:
─ Nome popular do fruto da ‘arvoris notaris’, de cor verde acentuado e interior polpudo e ácido, principal alimentação da ave de mesmo nome encontrada no norte do País.”
Seguiu-se um silêncio sepulcral e, ao fechar o livro, dei por encerrada a sessão.
Retornei o avô do Google ao seu lugar de honra entre os demais livros do armário e saí da sala antes que toda minha segurança magistral viesse por terra ao fitar um dos dois mudos à minha frente.
Minutos depois, voltei à arena e encontrei a mais perfeita harmonia no ar, que perdurou até o final do expediente.
Fui para casa com a satisfação de quem cumpre seu dever humanitário, imaginando ser essa a sensação de quem recebe o Nobel da Paz.
No bolso, levava comigo, por precaução e destacada com todo cuidado, a página que continha o meu trunfo, caso o processo fosse reaberto e meu álibi conferido. Porém, isso não aconteceu, pois as batalhas que vieram tiveram outros alvos, não mais pássaros ou raras frutas…