Pedro Novaes: 'Governos incertos'
Pedro Israel Novaes de Almeida – GOVERNOS INCERTOS
Confesso o medo instintivo que sinto dos governos.
O poder agasalha e incentiva tendências de transformar vontades individuais em obrigações coletivas. Uma simples mudança no sentido do trânsito, pela simples vontade do mandatário ou comissionado, pode gerar insatisfações as mais diversas, conturbando a rotina da população.
Em países como o Brasil, em que o Legislativo sofre intensa interferência do Executivo, leis e a própria constituição podem ser modificadas ao bel prazer do mandatário de plantão.
São as prioridades de cada governo que determinam o melhor ou pior atendimento à saúde e segurança públicas. Ocorre que contamos com poucas e precárias instituições, não havendo sólidos limites culturais e éticos à ação dos governos.
Fôssemos uma democracia consolidada, não ficaríamos, a cada eleição, inseguros quanto à postura dos eleitos, uma vez empossados. Tal insegurança é refletida no sentimento coletivo de que o bom governo é aquele que nada atrapalha.
Na verdade, os governos são apenas parcialmente conduzidos pelos titulares, presidente, governadores e prefeitos. É a legião de comissionados e conselheiros, formais e informais, que dita grande parte das iniciativas oficiais.
É a ação dos não eleitos que transmite, aos mandatários, a imagem que fazem dos problemas e soluções, fazendo-as parecer verdades. Mandatários tendem a reduzir o número de acreditados no entorno, conduzindo as administrações às opiniões de um pequeno grupo de escolhidos.
É tendência dos mandatários perderem o contato com a população, e cercarem-se de um grupo cada vez menor de conselheiros. Daí, as providências e omissões impopulares.
O advento das comissões auxiliares da administração, originalmente compostas por membros da comunidade, pouco interfere nas gestões mal conduzidas. Não raro, tais comissões são formadas por funcionários do Executivo e por seguidores políticos do mandatário, pouco cumprindo a função de representar a opinião pública.
Os governos editam leis e normas, exigindo-nos o cumprimento. Leis só admitem duas alternativas: são cumpridas ou são mudadas.
Houve uma época em que os governos eram julgados pelas ações. Em tempos de crise, são julgados pelas omissões.
Temíamos a ação dos governos, e hoje tememos suas omissões. As omissões, tal qual as ações, podem interferir em nossa própria liberdade, de manifestar opiniões, empreender e traçar o próprio destino.
Os direitos e garantias individuais, inscritos na Constituição, só são efetivos se exercitados com a garantia dos governos. Governos podem, na prática, deixar de garanti-los, e passar a governar por leis não escritas.
Continuamos temerosos.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.