Pedro Novaes: 'Saudosistas'

colunista do ROL

Pedro Israel Novaes de Almeida: ‘SAUDOSISTAS’

 

É normal que sejamos, os idosos, saudosistas.

Reconhecemos que outrora as pessoas duravam menos, ao contrário de hoje, com milhões de octogenários. A falta de estruturas de saneamento básico sempre existiu, mas outrora éramos em menor número, os poluidores, e as concentrações urbanas não eram tão agigantadas.

Sobrevivemos à falta de informação quanto à validade dos produtos, e até maioneses eram compradas com base no cheiro e aspecto. Na época, os produtos mostravam, na aparência, a senilidade, sem grandes adições de conservantes.

Eram poucas as embalagens recicláveis, e havia mais latas que pets. O óleo comestível era vendido a granel, colocado pelo vendedor em embalagem levada pelo consumidor.

Pães eram entregues a domicílio, colocados nos beirais de janelas e varandas. Não raro, eram furtados. Entregadores de leite cru iam vertendo o líquido de casa em casa, nas mais diversas embalagens, de vidro ou metal.

Políticos já tinham fama de ladrões, mas os assaltos ao erário pareciam mais modestos. Eram populistas e populares, obtendo reeleições seguidas graças ao assistencialismo que promoviam, sempre notado como favor pessoal.

Os namoros eram mais empolgantes. Para chegar-se às mãos, iam semanas, embora daí em frente as intimidades vinham rápidas.

Andávamos tranquilos pelas ruas, e exercíamos sem temor os direitos de ir, vir e permanecer. O único medo era cruzarmos com membros do bairro adversário, cachorros loucos ou bêbados valentes.

Na escola, professores eram mais respeitados, e o ambiente mais civilizado. Nas cidades do interior, drogados eram poucos, contados nos dedos de uma só mão.

Eram poucos os carros, e raros os acidentes. Motos eram quase inexistentes. Todos andávamos a pé, e quem tinha pressa ou morava mais distante simplesmente começava a caminhada mais cedo.

Sem aparatos eletrônicos, conversávamos e líamos escritos em papel.

Era difícil ultrapassar o nível social e econômico da família de origem, o que só acontecia em caso de muito estudo ou muito mérito no trabalho.

As pessoas pareciam mais honestas, e o fiado imperava em quase todos os comércios. Não havia cracolândias, e o meretrício era confinado, formando um bairro próprio.

Animais eram pouco respeitados, e queimadas sinônimos de desinfecção e limpeza. Demoramos a reconhecer a natureza e seus seres como sagrados.

A pobreza era disseminada, e as doenças generalizadas. A assistência à saúde era precária e elitista.

Mesmo assim, somos saudosistas. Apesar de todos os incômodos e injustiças, parecíamos mais humanos.

pedroinovaes@uol.com.br

O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.