Adriana da Rocha Leite: 'Amizade ou utilidade?'

Adriana da Rocha leite: ‘AMIZADE OU UTILIDADE?’

 

 O ser humano é gregário, precisa do convívio com o outro para se reconhecer vivente e, mesmo que opte pelo isolamento, as experiências relacionais permanecem consigo.

Somos resultado de um contexto e de um tempo e estamos tão acostumados às situações do nosso meio social, que nossa indignação diante de algo que consideramos errado, injusto, imoral ou ilegal é altamente seletiva e não perdura, como se a simples manifestação sobre isso já nos absolvesse por nada fazermos de concreto e objetivo para que tal seja superado, punido ou corrigido. Fiz a minha parte! E dormimos tranquilamente.

Mas fazer a própria parte não corresponde à nossa missão social, afinal, como não somos detentores da verdade (graças a Deus!), embora alguns assim se posicionem, as decisões que tomamos individualmente não servem como balizas para a convivência comunitária e solidária, são tão e somente reflexos da nossa visão parcial e fragmentada das relações e dos relacionamentos.

Digitalmente e virtualmente estamos muito próximos, conectados, compartilhando ideias e ideais, curtindo o que o outro posta ou comenta: quanta integração! Ledo engano. Estamos consumindo, ou melhor, engolindo imagens e textos, sem critérios, sem seleção, gerando uma ansiedade sem precedentes diante da tela que tem o dever de nos manter informados.

Utilizamos nossos contatos para expor nossas mazelas, mas principalmente nosso poder, nosso sucesso (a melhor foto, o melhor “bico”,  o melhor ângulo, o melhor evento). O ritmo em que as informações nos chegam obriga-nos a ficar mais tempo olhando para um aparelho e, consequentemente, nosso olhar para outras direções e para os que estão realmente ao nosso lado se distancia…

Analisamos a conveniência dos contatos, das “amizades”. Vivemos o momento das relações utilitárias: o que posso obter a curto, médio ou longo prazo deste relacionamento? Se não é útil, tem que ser descartado, sem remorso.

Perdemos a magia da aproximação natural, do sorriso de acolhida e de empatia, da afetividade do abraço e do aperto de mão, de quem se reconhece carente de convivência, porque conviver pressupõe impor-se e aceitar limites, significa viver juntos. Exige reciprocidade.

Não deveríamos escolher o amigo ou a amiga a partir do que podem nos oferecer, mas porque o contato e os encontros são agradáveis, possibilitam-nos outros olhares e vivências. Favorece nossa flexibilidade, já que temos que respeitar as diferenças.

A superficialidade e liquidez dos relacionamentos nos afasta da nossa humanidade, porque interrompe o fluxo vital dos vínculos, transforma o outro em objeto de consumo e quanto mais buscamos a utilidade dos contatos, mas nos perdemos no emaranhado das falsidades e encontramos o vazio…    lotado de informações inúteis e descartáveis.

Não sem razão as palavras perdem seu significado e acrescentamos adjetivos ou expressões que comprovem o quanto algo nos é importante:                  amo de paixão! Porque somente amar é banal e não tem nenhuma utilidade… Ou será que tem?