O novo colunista do ROL, o escritor Edweine Loureiro, mora no Japão há dezesseis anos

Edweine Loureiro

É sempre  com grande prazer que apresento aos leitores um novo colunista, pois eles são ‘escolhidos a dedo’ e só aceitos se apresentarem condições culturais e técnicas semelhantes aos demais. Mas este caso destaco com especial gosto, por tratar-se do primeiro colunista que aceitou ser colaborador do ROL e que mora no Exterior. É o caso do Edweine Loureiro, brasileiro da Amazônia que emigrou para a Terra do Sol nascente em 2001 e que aceitou o convite feito a ele pelo Editor Sergio Diniz da Costa.

Nascido em 20 de setembro de 1975, Edweine é advogado e professor de idiomas. Já foi premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, e é autor dos livros ‘Sonhador Sim Senhor!’ (2000), ‘Clandestinos’ (2011), ‘Em Curto Espaço’ (2012), ‘No mínimo, o Infinito’ (2013) e ‘Filho da Floresta’ (2015), os dois últimos vencedores, respectivamente, dos Prêmios Orígenes Lessa e Vicente de Carvalho da União Brasileira de Escritores – RJ (UBE-RJ), em 2016.

Em julho de 2017, tornou-se colunista do Correio do Porto (Portugal) e, em agosto de 2017, obteve o 1º,2º e 3º lugares, na Categoria Crônica, além do 3º lugar em Poesia, no Concurso Literário Nacional ‘Prof, Armando Oliveira Lima’ 2017 (Sorocaba-SP). Torna-se agora colunista do ROL. Leia agora a primeira de suas contribuições.

Seja bem-vindo, Edweine! (Helio Rubens, editor)

 

YOKOHAMA

Trinta de junho de 2002:

Tomamos o trem-bala, de Osaka à Shin-Yokohama, ainda pela manhã. O jogo começava somente às 19h, mas, quanto antes estivéssemos próximos ao estádio, melhor. Muitos de meus colegas preferiram viajar de ônibus na noite anterior. Eu não: queria estar com as energias poupadas para aquele que seria um dia muito especial a este apaixonado por futebol: minha primeira final de Copa do Mundo. E o confronto marcado não poderia ser melhor: Brasil e Alemanha… na ocasião, sete títulos mundiais em campo.

E, quando cheguei em frente ao Estádio, a festa brasileira já havia começado. Um verdadeiro carnaval fora de época, que atraía a atenção até dos adversários (um casal de alemães, inclusive, arriscou alguns passos). Quanto a este escriba, também entrei no samba, ainda que desajeitado. E, quando o colega do pandeiro pediu-me para puxar um samba-enredo, arrisquei o da Mangueira de 1986. Infelizmente, ninguém se lembrava da letra… E, contrariado, perguntando-me se acaso eu não era brasileiro, o mesmo tocador do pandeiro deu início a um pagode, digamos, bem mais ao gosto da roda. E, assim, todos caíram na folia.

Até que, enfim, a esperada “três da tarde” chegou! Hora do espetáculo.

Posicionei os cartazes para serem filmados com mensagem para os familiares no Brasil; enquanto pedia a um amigo para que me tirasse o maior número de fotos possível.

E, quando o telão iluminou-se para apresentar-nos uma retrospectiva das Copas, confesso que um outro filme, paralelo, começou a ser exibido em minha cabeça: a de um franzino garoto, que, num bairro pobre de Manaus, assistia pela tevê, ao lado da família, à sua primeira partida de Copa do Mundo, numa tarde de 1982… Logo aquela: em que um impiedoso Paolo Rossi acabaria com o sonho canarinho.

Pois é. Mas, naquela noite de trinta de junho de 2002, tínhamos Ronaldo. E, com ele, a tristeza brasileira não entraria em campo…

Aliás, o restante desta história é conhecida. Uma história gloriosa ― contada aos céus por cinco estrelas.

 

Crônica que obteve 1º Lugar no 13º Concurso Literário Professor Armando Oliveira Lima (Sorocaba-SP).

 

 

UM JAPÃO CABOCLO

 

Confesso divertir-me quando leio, nas redes sociais, mensagens de amigos chamando-me, carinhosamente, de “japonês”. Não que a denominação seja totalmente descabida. Afinal, “com esses olhinhos puxados” e morando há mais de uma década na Terra do Sol Nascente, é perfeitamente natural que aqueles que não me conheçam pessoalmente ― ou a respeito de minhas origens ― concluam que sou um descendente do povo nipônico.

Tenho, claro, grande amor pelo Japão ― caso contrário, não estaria aqui há tanto tempo ―; mas o fato é que não possuo laços sanguíneos com o país. Sou, simplesmente, um manauense (ainda que eu prefira o termo não dicionarizado de “manauara”), e, como muitos de minha terra, uma mistura de indígenas ― mais precisamente oriundos da tribo dos Ticunas ― e portugueses. Os “olhinhos puxados”, portanto, advêm de minhas raízes caboclas.

A respeito do Japão, aliás, meu conhecimento era quase nulo antes de 2001: para que tenham uma ideia, jamais havia ido sequer até o bairro onde se localiza a colônia japonesa de Manaus. Porém tudo mudou quando, naquele ano, ao conquistar uma bolsa oferecida pelo governo japonês, decidi cruzar os oceanos para fazer minha pós-graduação. Tinha, confesso, o plano inicial de ficar apenas para o Mestrado, mas um “cupido de quimono” acertou-me em cheio o coração. Resumo da ópera (ou, neste caso, do kabuki): casei-me com uma colega de Mestrado ― esta, sim, japonesa ― e aqui estou desde então.

Natural, pois, como citei no início desta crônica, que, estando há mais de uma década em solo japonês, eu esteja gradualmente perdendo minha identidade tupiniquim aos olhos de meus compatriotas.

Porém, ao invés de irritar-me com os estereótipos, prefiro embarcar na brincadeira. Digamos, pois, que sou um “nipo-caboclo” ou “um caboclo japonês”. Isso se não preferirem chamar-me simplesmente de “um caboclo no Japão”― o que seria uma descrição mais exata de minha história de vida. Pois, sim, este sou eu: alguém que ama o país que o adotou, sem se esquecer de onde veio. Alguém que acredita piamente que é esta mistura de raças e culturas que faz o mundo mais fascinante: sem fronteiras e, consequentemente, tão mais irmanado.

Uma deliciosa diversidade que faz até mesmo um país como o Japão ― tão padronizado sob a ótica ocidental ― tornar-se um pouco mais caboclo.

 

Crônica que obteve 2º Lugar no 13º Concurso Literário Professor Armando Oliveira Lima (Sorocaba-SP).

 

O EXTRA

 

Todo cinéfilo tem um sonho: realizar ou participar de um filme. Talvez isso ocorra em virtude de um fascínio em especial que a Sétima Arte exerce sobre a vaidade humana: o da eternidade. Em outras palavras, saber que o próprio nome, não importe quantos anos se passem, ainda estará nos créditos finais de uma determinada obra cinematográfica; para que possamos contar a quem tiver paciência para nos ouvir: Eu estou lá! Veja: o meu nome nos créditos!

Fascínio este, aliás, que é próprio de todos que resolvem arriscar-se na corda bamba que é a vida artística: pois mente quem, nesta área, não deseja os aplausos ― o reconhecimento pelo trabalho (bem ou mal) realizado. Que digamos nós, os escritores!

Bom, mas voltando à questão do filme. Em 2005, eu estava trabalhando numa empresa de recrutamento em Tóquio, quando recebi um convite inusitado de um empresário japonês que visitava nosso escritório: o de tentar uma “ponta” em um filme que ele estava produzindo. Explico: o filme necessitava de atores com perfis latinos para os papéis de gângsteres, e ele perguntou-me se eu gostaria de tentar… por diversão. Não pensei duas vezes e perguntei-lhe quando era o teste. De tal modo que, no domingo seguinte, lá estava eu nos estúdios da TOHO (a mesma produtora responsável por Godzilla), para tentar, pela primeira vez, a sorte no cinema. Concorrendo ao papel, estavam comigo: um mexicano e um boliviano.

No meio das filmagens, o diretor nos chama e orienta (em Inglês): Não precisa falar nada; basta fazer uma “cara de mau”. E, olhando para mim: Você, primeiro! Naquela hora, buscando a perfeição, veio-me logo a ideia: Gângster? Tentarei então o mesmo olhar frio de Michael Corleone.

E arrisquei o tal olhar “siciliano”. Mas, para minha decepção, naquele momento, o diretor começou a rir, dizendo: Não, não… você tem o rosto muito gentil (“yasashii” foi a palavra correspondente em japonês que ele usou). ― E arrematou: ― Desculpe, mas você está fora!

Foi um golpe em meu coração cinéfilo. E, naquele dia, confesso, voltei para casa inconsolável! Pois se eu não tinha cara de gângster sequer para ser extra num filme, como poderia bancar o vilão, quando necessário, na vida?

E, suspirando, ajeitei o emoldurado diploma de Direito ― que estava torto na parede.

 

Crônica que obteve 3º Lugar no 13º Concurso Literário Professor Armando Oliveira Lima (Sorocaba-SP).

 

 

Página para contato: https://www.facebook.com/edweine.loureiro