Pedro Israel Novaes de Almeida: 'VIRTUDES EMERGENTES'

colunista do ROLPedro Israel Novaes de Almeida:  ‘VIRTUDES  EMERGENTES’

 

Sem qualquer ciúme ou inveja, admiro pessoas que possuem virtudes que não tenho.

Existem pessoas de bom gosto e senso estético, capazes de projetar obras magníficas e funcionais. Como agrônomo, as casas que já desenhei e construí são, na verdade, versões urbanas de tulhas, verdadeiras caixas com terraços.

Existem pessoas afinadas, cujos cantos são agradáveis e despertam sentimentos. Quando tento entoar alguma música, verifico que o ambiente fica deserto, e os olhares não são amistosos.

Nas artes marciais, a falta de agilidade obrigou-me à opção pela corrida de cem metros rasos. Não agrido nem apanho.

Tentei escrever poesias, mas as rimas eram pobres, com contida tendência ao uso de palavrões. Nos versos mais românticos, o máximo que conseguia era um dramalhão travestido de infantilidade.

Ameacei, muitas vezes, a autoria de contos, mas as histórias começavam e terminavam em apenas alguns parágrafos. Jamais consegui estender o relato de ambientes e emoções.

Iniciei a escrita literária, mas parei ao notar que não conseguia concordar com o que diziam alguns personagens, e acabava por infelicita-los.  Sempre odiei o estilo novelesco, onde o herói apanha o tempo todo e só obtém alguma vantagem no último capítulo.

Quando jovem, cheguei a pensar em carreira militar, mas a absoluta falta do senso de hierarquia e obediência fulminou qualquer pretensão. Seria, com certeza, um militar preso, sem paciência para cumprir décadas até chegar a general.

Cheguei a pensar que era um compositor nato, mas logo percebi a incapacidade. As primeiras notas eram simpáticas, mas as seguintes acabavam, sempre, em plágio.

Romântico, idealizei ações de amor e proteção aos animais, mas logo percebi que minha dedicação jamais seria universal. Quanto mais gatos via na vizinhança, mais apego tinha aos cachorros.

Pensando em enriquecer, perdi noites e noites tentando inventar o moto contínuo, ou transformar tijolo em ouro. Sequer consegui ir além de inovações meramente mecânicas, sem direito a qualquer patente.

Na área comercial, admito que não consigo sequer vender água no deserto, ou guarda-chuvas na amazonia. É triste, mas notei que só sobreviveria se assalariado.

Ainda nutro esperanças de ser um renomado político. Já iniciei o caminho, e só faltam um partido com coragem, dinheiro para a campanha e votos.

A aposentadoria chegou antes do descobrimento das virtudes e pendores, e acabei por postergar o sonho de   reconhecimento mundial. Mas sigo tentando.

pedroinovaes@uol.com.br

O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.