Paulo Roberto Costa: 'Histórias de condomínios: o parto natural'

Paulo Roberto Costa:

‘Histórias de condomínios: o parto natural’

 

De uma maneira geral, a maternidade é a mais nobre revolução na vida de qualquer casal.

Para os “marinheiros de primeira viagem” então, representa um misto de todos os sentimentos bons assim como os mais aterrorizantes medos, com igual intensidade.

O que é para ser um ato absolutamente natural, para os seres humanos, diferentemente dos animais, reveste-se de um manto de absoluta incógnita, expectativa e ansiedade.

Há os que querem saber o sexo antes e os que, absolutamente, não! Pelo ultrassom fotografam o coitadinho mensalmente acompanhando sua evolução milimetricamente, tentando visualizar, no meio daquela imagem difusa emanada dos aparelhos mais sofisticados, o pezinho, o bracinho, o sexinho e todos os “inhos” possíveis e imagináveis. A data do nascimento passa a ser contada em gotas de suor e lágrimas. O mundo cessa de girar para aguardar o acontecimento. Tudo tem que estar perfeitamente organizado para quando o ser especial chegar. Uma coisa que é igual para todos, todos querem fazer de forma diferente.

No nosso condomínio, a dona Evenilda descobriu que estava grávida. Demorou um pouco para que os vizinhos percebessem, visto que já possuía um ventre que refletia seu amor incondicional pela macarronada e pelos exageros gastronômicos. Se ela não tivesse contado, talvez o próprio marido teria demorado a perceber.

Porém, quando a medida não deixou mais dúvidas, passou a desfilar pelos corredores do prédio como se levasse consigo um herdeiro real. Todas as mulheres que a encontravam paravam fazer as perguntas de praxe, sem o menor interesse nas respostas, é claro. Ela, em êxtase, respondia até o que não tinha sido perguntado em uma riqueza de detalhes de enlouquecer qualquer virginiano. Para demonstrar atenção, passavam a mão pelo redondo abdominal como se o estivessem benzendo. Os homens, por sua vez, prudentemente, guardavam uma distância segura, um pouco maior do que quando suas próprias esposas estavam grávidas. Um pouco por respeito, um pouco, pelo menos para alguns, pelo normal desinteresse que tal fato representa – um mero efeito colateral do ato de procriação.

Como já era de se esperar, a dona Evenilda quis inovar. Tinha que ser diferente de todas as demais mamães do prédio. Resolveu ter o filho em casa, sem assistência de qualquer médico ou enfermeira. Somente com a ajuda de seu fiel escudeiro que, de simples cônjuge iria ser promovido a pai. Afinal, era algo divino e natural que teria que acontecer divinamente. Tinha certeza que seria abençoada. Estava escrito nas estrelas.

O parto natural ocorreu em uma tarde de verão. Alguns dizem que era uma sexta feira, outros, sábado. Não havia unanimidade. Ninguém tinha certeza. Só o que todos concordavam é do horário onde tudo tinha começado. Exatamente às 15h. Nesse horário, um grito lancinante ecoou pelo prédio, fazendo calar até a britadeira da obra do prédio vizinho. O corre-corre foi geral na portaria. O zelador, apavorado, logo pensou no síndico. Com certeza algum inadimplente tinha resolvido dar um basta nas cobranças que recebia. Ou então algum morador que quis resolver seus problemas com o vizinho de cima, ou de baixo, ou do lado. Todos têm um vizinho que irrita. Não importa a posição cardeal. Alguns deles têm realmente o dom de tirar da gente o que a gente tem de pior.

Os gritos sucediam-se em ondas, arrepiando os cabelos de todos os que os ouviam. Parecia sonoplastia de algum filme de terror. E daqueles! Todos os moradores começaram a ligar para a portaria pelo interfone para saber com o porteiro o que estava acontecendo enquanto este ligava para todos os apartamentos para saber a mesma coisa. Até que o marido da infeliz mulher forneceu a tão esperada informação: “Meu filho está nascendo!” Para acalmar o apavorado porteiro, disse que tudo estava sob controle e gentilmente recusou categoricamente qualquer ajuda. Descobriu-se, depois, que a frase de resposta foi quase uma figura de linguagem, visto que o gerúndio indicava que a coisa toda se concluiria em poucos minutos, quando, ao contrário, os gritos, uivos, palavrões e imprecações continuaram com a mesma intensidade e volume por um tempo que parecia infinito.

Podia-se imaginar que o marido estivesse fazendo uma cesariana sem anestesia com alguma faca cega ou um serrote, sabe-se lá. Sem saber exatamente o que fazer, os moradores limitaram-se a trancar as portas e janelas, improvisar tampões para os ouvidos, aumentar o som da televisão ou antecipar a ida ao supermercado, o mais distante da região possível.

Por volta das sete horas da noite, ou dez conforme alguns maledicentes, repentinamente, um silêncio sepulcral fez com que o mundo no condomínio ficasse em suspenso. Tudo parou. Todos pararam. Todos esperando. Suspense! Até que, passados alguns minutos, ao ouvirem uma espécie de gemido, quase um balido, tiveram a certeza que a tortura tinha acabado. Com um suspiro de alívio coletivo, todos voltaram para seus afazeres diários.

Todos, agora, tinham mais um assunto para as viagens de elevador!

 

Paulo Roberto Costa – paulocosta97@gmail.com