Celso Lungaretti: 'Na França, eu aproveitava cada entrevista para denunciar o que acontecia na Itália'

 

Celso Lungaretti – “NA FRANÇA, EU APROVEITAVA CADA ENTREVISTA PARA DENUNCIAR O QUE ACONTECIA NA ITÁLIA. PESSOAS PRESAS E DESAPARECIDAS, MORTAS PELA POLÍTICA, SUICÍDIOS QUE ERAM SUSPEITOS, A MÁFIA NO PODER. EU ESTAVA INCOMODANDO”

celso lungaretti: BATTISTI DESABAFA: “QUE MONSTRUOSIDADE É ESSA?”.
 
O sr. tem dito que a prisão por evasão de divisas em Corumbá foi uma trama e que estava sendo vigiado. Como aconteceu?
Durante o trajeto me dei conta de que estavam atrás de nós. Houve momento em que víamos que estavam esperando o carro passar. Pararam a gente 200 km antes de Corumbá. Não pararam mais ninguém. Só nós. Era claro que estavam nos esperando. Quando cheguei à delegacia eles estavam felizes da vida, comemoravam, como se festejassem o sucesso de uma operação.
Nem disfarçaram muito. Pegaram o dinheiro de todo mundo e começaram a dizer que era tudo meu. Porque só assim poderia superar os R$ 10 mil [valor máximo permitido]. Mas o dinheiro era dos três. Aí a gente começou a ver que as coisas estavam andando de um jeito estranho.
 
Berlusconi: obcecado em exibir a cabeça de Battisti como troféu!
Por que o sr. acha que a Itália quer a extradição?
São várias as razões. Principalmente nos 15 anos em que morei na França, eu aproveitava cada entrevista para denunciar o que estava acontecendo na Itália. Pessoas presas e desaparecidas, mortas pela polícia, suicídios que eram suspeitos, a máfia no poder. Eu estava incomodando. Daí eles criaram um monstro, começaram a espalhar mentiras. Misturaram isso com uma coisa séria, que foi a minha participação na luta armada, que eu não nego.
 
E por que não desistem de buscá-lo?
Depois que a Itália investe tanta energia, usando a política, a mídia, a economia, o Judiciário, não dá para voltar atrás. Criaram esse slogan de terrorista, assassino, de que eu sou a ruína da Itália. Eu não matei ninguém. Não tem nenhuma prova técnica que se sustenta nessas ações em que me condenaram.
 
Conceito e exemplo se aplicam ao ocorrido em Corumbá
Hoje o sr. requer que seja ouvido pelo governo e pelo STF.
A minha arma para me defender não é fugir. Estou do lado da razão, tenho tudo a meu lado. Estou em prescrição [a sentença italiana prescreveu] desde 2013. E não se pode voltar depois de seis anos [transcorridos desde que Lula rechaçou o pedido de extradição italiano e o STF mandou libertá-lo]. Eles querem argumentar que surgiu fato novo. Fato novo seria a evasão de divisas em Corumbá? Foi forjado, e eu vou ganhar esse processo.
Como se faz com um país que me acolhe, me permite desenvolver família, afetos, profissão, e depois diz que acabou, agora vai embora? Que monstruosidade é essa?
 
Hoje o sr. acredita que a principal ameaça vem de onde?
Da Itália. Um país tão arrogante, claro que estão acreditando que é uma tarefa fácil para eles [me levarem embora]. O orgulho, a vaidade.
 
(trechos de entrevista concedida por Cesare Battisti ao repórter
Joelmir Tavares, enviado especial da Folha de S. Paulo a Cananeia, SP)
 
celso lungaretti
CASO BATTISTI NA HORA DA DECISÃO: ESTÁ EM JOGO O DESTINO DE UM HOMEM E A CREDIBILIDADE DO SUPREMO.
 
A má notícia é que o presidente Michel Temer pretende atender às pressões italianas, extraditando o escritor e perseguido político Cesare Battisti.
 
A boa notícia é que não pretende fazê-lo antes que o Supremo Tribunal Federal dê sua decisão sobre o pedido de habeas corpus da defesa de Battisti.
 
Ao contrário da leitura simplista que muitos devem estar fazendo, a boa notícia tem grande chance de prevalecer sobre a má, em termos de consequências práticas. Recapitulemos.
 
A Itália, tão pérfida agora como no tempo dos Bórgias, vinha mantendo tratativas secretas com o Governo Temer para obter a cabeça de Battisti, passando insidiosamente por cima da decisão soberana e definitiva que o Brasil tomou em 2010.
 
aqui).
 
Se Temer houvesse dado sinal verde antes do jornal O Globo revelar a existência das tratativas secretas, Battisti teria sido vítima de um espécie de sequestro relâmpago praticado entre nações. Hoje o fato estaria consumado, com Battisti na Itália ou sob sete palmos de terra (no passado ele jurou que, na impossibilidade de evitar a repatriação, optaria pela morte).
 
Temer, contudo, quis ouvir antes a sub-chefia de Assuntos Jurídicos da Presidência da República. E, nesse meio tempo, O Globo jogou a tramoia no ventilador, eliminando o fator surpresa que facilitaria a concretização da ilegalidade. 
 
 
Mas, não pode deixar de haver decisão contrária! Isto, claro, na suposição de que o STF ainda dê valor à sua imagem e ao cumprimento de sua missão constitucional, pois:
 
— pelo mesmo motivo, é vedada a extradição de Battisti para cumprir sentença mais longa que a máxima adotada no Brasil (30 anos), mas a Itália até agora não anunciou que tenha sido efetuada a devida adequação.
Nem desta vez nos redimiremos da infâmia contra Olga?
Há rumores de que o governo italiano apenas assumiria o compromisso de reduzir a sentença e o governo brasileiro se daria por satisfeito com tal promessa que nada garante, pois a Justiça italiana poderia ter outro entendimento. Seria mais uma ilegalidade, em meio às tantas acima relacionadas.
O que se pretende agora é exumar a decisão tomada pelo Supremo em novembro de 2009, de autorizar, naquela ocasião, o presidente da República a extraditar Battisti, se assim o decidisse. É pura má fé e uma flagrante aberração jurídica.
 
 
Resumo da ópera: mais do que o destino de Battisti, está em jogo a credibilidade do Supremo. Se, por ação ou omissão, viabilizar tal grotesquerie, vai igualar-se em opróbrio ao STF de 1936, que autorizou a entrega de Olga Benário aos carrascos nazistas, embora ela fosse judia, comunista e estivesse grávida de uma criança brasileira.