Artigo de Celso Lungaretti: 'A ANGELICA DA PRAÇA DE MARÇO'

APOLLO NATALI

A ANGÉLICA DA PRAÇA DE MARÇO

“Quem é essa mulher 

que canta sempre esse estribilho?

Só queria embalar meu filho 

que mora na escuridão do mar” 

(Chico Buarque)

Mais um março chegou e todo o março que chega reaviva o de 1964, de opressivas lembranças.

Até Chico Buarque lançar a canção “Angélica”, poucos conheciam a história que a memória deste março traz à tona, da mãe brasileira que teve seu filho torturado e morto pela ditadura de 64 e seu corpo jogado no mar.

Em 1971, em plena ditadura, o filho da estilista Zuzu Angel, Stuart Angel, militante do MR-8, já muito debilitado pelas torturas, foi amarrado à traseira de um jipe da Aeronáutica e arrastado com a boca colada ao cano de descarga do veículo. O corpo foi atirado no mar.

Em 1971, em plena ditadura, o filho da estilista Zuzu Angel, Stuart Angel, militante do MR-8, já muito debilitado pelas torturas, foi amarrado à traseira de um jipe da Aeronáutica e arrastado com a boca colada ao cano de descarga do veículo. O corpo foi atirado no mar.

Zuzu Angel denunciou incansavelmente o assassinato e a ocultação do cadáver de Stuart. Invadiu tribunal militar e lá gritou valentemente sua revolta de mãe. Foi vítima fatal de um acidente automobilístico suspeito, em 1976.

Chico Buarque, amigo a quem ela escrevera carta levantando a possibilidade de ser também assassinada pelos militares, homenageou-a com “Angélica”, lançada em 1981, quando o Brasil começava a desmontar a engrenagem repressiva dos chamados anos de chumbo.

Quantas mães não puderam embalar seus filhos torturados e mortos pelos EUA e seus acumpliciados planeta afora? Tantas mães e filhos, tidos como obstáculos à marcha dos legionários americanos e seus cúmplices a varrer democracias do mapa e barrar tentativas de reformas sociais em favor dos oprimidos. Em troca do quê? Unicamente de deixar suas empresas firmemente no comando pelo mundo e garantir lucros e remessas para o exterior.

Foi num março, o de 1964, que começou a fascistização implacável do Brasil. Fascismo, teu nome é autismo social, indiferença aos clamores e direitos populares, enfermidade a se espalhar ainda hoje no sangue da nação. Passado meio século, este março de 2015 nos adverte que nossa democracia se chama restos mortais da ditadura.

A par da indignação e espanto com as torturas e mortes que todo março nos traz à memória, há uma lição a ser revista em todos os marços vindouros: entender que, em sua semeadura universal de ditaduras brutais e corruptas –em troca tão somente do lucro das empresas estadunidenses–, assassinos e torturadores com seus métodos não muito agradáveis eram sempre bem-vindos pelos EUA, como o foram, entre outros, no Brasil. Encontraram aqui terra fértil ao plantio do fascismo e aplicados aprendizes da tortura.

Autor: Apollo Natali

Todo março é mês de se lembrar que em El Salvador e na Guatemala, não houve apenas matança comum. O principal componente lá foi a tortura brutal e sádica, batendo bebês contra pedras, pendurando mulheres pelos pés com os seios cortados e pele do rosto escalpelada, para sangrarem até a morte, ou cortando cabeças e colocando-as em estacas.

Quantos marços vão chegar até se aprender que o objetivo dos EUA, com suas carnificinas, foi sempre o de esmagar qualquer verdadeira democracia e sufocar o mais leve suspiro de liberdade, em troca de alguns trocados que nem chegam a beneficiar a sua própria população pobre e oprimida?

Mães brasileiras não fizeram panelaços nas praças de Março por seus filhos assassinados, como fizeram as mães argentinas na Plaza de Mayo. Na ditadura brasileira houve torturas e mortes mais estripadoras do que no caso de Stuart Angel.

Mas nenhuma outra mãe Zuzu gritou como ela, onde e por quê. As Zuzus do mundo queriam apenas embalar seus filhos e tirá-los da escuridão do mar. Como as próprias mães estadunidenses, que tiveram seus filhos mortos em guerras longínquas por pão e banana.

…e o filme dirigido por  Sérgio Rezende, completo.

COMO A COMISSÃO DA VERDADE DESMONTOU A FARSA DE QUE ZUZU ANGEL TERIA MORRIDO NUM ACIDENTE

Zuleika Angel Jones morreu no dia 14 de abril de 1976, às 3 horas, em acidente automobilístico na saída do túnel Dois Irmãos, na estrada da Gávea, no Rio de Janeiro. Tendo em vista as várias ameaças anônimas recebidas pela estilista, devido a sua insistente luta por informações do paradeiro de seu filho Stuart, logo surgiu a desconfiança de que o acidente teria sido provocado por agentes dos órgãos repressivos.

A versão divulgada à época foi a de que o carro de Zuleika Angel Jones, um Karman Ghia, teria saído da pista, colidido com a proteção do viaduto Mestre Manuel e capotado várias vezes em um barranco. A certidão de óbito, assinada pelo médico Higino de Carvalho Hércules, confirmou a versão do acidente e atestou como causa da morte uma ‘fratura do crânio com hemorragia subdural e laceração cervical’.

Chegou-se a cogitar que a estilista tivesse ingerido bebida alcoólica e, por isso, perdido o controle do veículo. Essa possibilidade foi logo descartada após o exame toxicológico que atestou a ausência de álcool em seu sangue. Noticiavam, também, a fadiga da motorista, que poderia ter adormecido no volante, e problemas mecânicos, que poderiam ser a causa do acidente. Fatos que não se comprovaram.

Em 1996, com o intuito de apresentar um pedido de indenização à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a família de Zuleika Angel Jones solicitou o trabalho de Luís Fondebrider, da Equipe Argentina de Antropologia Forense, para analisar os restos mortais da estilista. O perito argentino apontou inconsistências na versão divulgada à época do acidente. Da mesma forma, a família apresentou declarações de Lourdes Lemos de Moraes, esposa do empresário Wilson Lemos de Moraes, que garantiu que o carro de Zuleika Angel Jones havia sido levado por seu marido, Wilson, para uma revisão completa, uma semana antes do acidente.

Também foi apresentado o depoimento de Marcos Pires, que teria visto o acidente da janela de seu apartamento, situação em que descreveu que dois carros estavam emparelhados na saída do túnel Dois Irmãos quando um dos automóveis chocou-se com outro, que seria o de Zuleika Angel Jones, provocando a colisão contra a proteção do viaduto e, logo em seguida, o carro despencou do barranco.

A mesma testemunha também declarou que, surpreendentemente, em menos de cinco minutos do acidente, cinco carros da polícia já estariam presentes no local. A partir dessas informações, a CEMDP decidiu solicitar um parecer técnico dos peritos criminais do Instituto de Criminalística de São Paulo. Os profissionais contribuíram para desmontar a versão falsa da morte de Zuleika Angel Jones, da qual, inicialmente, descartaram a possibilidade de Zuzu ter dormido ao volante, já que ‘a fratura do perônio (osso da perna) encontrada é típica de compressão transmitida pelo pedal de freio no momento do impacto’.

Com relação ao primeiro exame do local de acidente, afirmam que a versão apresentada para a dinâmica dos eventos é absolutamente inverossímil, pelas seguintes razões:

Primeiro porque um veículo jamais mudaria de direção abruptamente única e tão somente por conta do impacto de qualquer de suas rodagens contra o meio-fio, qual seria galgado facilmente, projetando-se o veículo pelo talude antes de chegar ao guarda-corpo do viaduto.

Segundo porque, sendo o meio-fio direito da autoestrada perfeita e justamente alinhado como guarda-corpo do viaduto, mesmo que o veículo se desviasse à esquerda, tal como o sugerido pelo laudo, desviar-se-ia do guarda-corpo, podendo, se muito, chocar o extremo direito da dianteira.

Terceiro porque, mesmo que se admitisse a trajetória retilínea final, nos nove metros consignados pelo laudo, tendo-se em conta que o veículo chocou a dianteira esquerda e que não havia mais nada à direita, a não ser a rampa inclinada da superfície do talude, teríamos que aceitar que as rodas do lado direito ficariam no ar e o veículo perfeitamente em nível até que batesse no guarda-corpo, o que, evidentemente, seria impossível.

As pesquisas realizadas no âmbito da Comissão Nacional da Verdade no acervo histórico do Arquivo Nacional revelaram inúmeros documentos sobre o intenso monitoramento de Zuzu Angel e de suas atividades, por parte dos órgãos de informações e repressão. Documento do Estado-Maior do Exército, no qual o adido militar brasileiro nos Estados Unidos recomenda que as viagens de Zuleika fossem monitoradas, para que ‘elementos amigos pudessem acompanhar mais de perto os seus passos’.

Contudo, uma das principais informações recolhidas pela Comissão Nacional da Verdade sobre o caso de Zuzu Angel está no depoimento do ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo (Dops-ES), Cláudio Guerra, no qual o agente identificou a presença, em uma fotografia feita logo após o acidente, do coronel do Exército Freddie Perdigão Pereira, e afirmou ter ouvido do próprio Perdigão que ele havia participado do atentado que vitimou Zuleika Angel Jones.

Diante disso, a CNV solicitou ao Ministério da Defesa e ao Comando do Exército uma fotografia do referido coronel, à época, para fins de comparação e perícia, mas o Comando do Exército alegou que nos acervos do Exército não existe qualquer tipo de registro fotográfico dos seus agentes.

da Comissão Nacional da Verdade)