Marcelo Paiva Pereira: 'O Superpapa'
Marcelo Paiva Pereira: ‘O SUPERPAPA’
Aos 02.04.2005 o Papa João Paulo II, cujo nome de batismo era Karol Jósef Wojtyla, veio a óbito aos 84 anos e pós 26 anos e 5 meses de exercício do Sumo Pontificado da Igreja Católica, período no qual representou a Divindade na terra e transmitiu Sua palavra. Teve, entretanto, vida tumultuada em razão de fatos não queridos.
Nasceu em Wadowice (Polônia) aos 18.05.1920 e contava oito anos quando faleceu a genitora Emília Kaczorowska (13.04.1929). Aos 12 anos perdeu o irmão Edmund (05.12.1932) e, com 21 anos perdeu o genitor Karol Wojtyla (18.02.1942) – o qual era oficial reformado do exército polonês.
No verão (junho a setembro) de 1938 juntou-se a um grupo teatral denominado “Studio 38” e no outono (setembro a dezembro) de 1942 estudou como seminarista na arquidiocese da Cracóvia. Nos períodos em que fez teatro e seminário suas atividades foram clandestinas, por força da ocupação nazista da Polônia (01.09.1939 a 17.01.1945), ordenando-se padre em 01.11.1946.
Ao tempo em que vivenciou a 2ª Guerra Mundial testemunhou as atrocidades cometidas pelos nazistas, conduzidos por uma ideologia que admitia a existência de uma “raça superior” em razão da origem nacional ou cultural de cada indivíduo.
Para a execução dessa orientação estatal hitlerista, o governador de Varsóvia (nomeado por Hitler) editava Decretos proibindo judeus de frequentar determinados estabelecimentos comerciais e públicos, inclusive proibindo-os de se sentarem nos bancos de praças e jardins, também decretando o confisco dos bens e o confinamento das famílias em guetos, administrados por soldados da SS e das forças armadas alemãs, até o final e macabro holocausto (extermínio em massa nos campos de concentração).
Durante o período de ocupação nazista, Karol Jósef Wojtyla fez da religião o instrumento de afirmação da origem divina do ser humano, pela qual ninguém poderia determinar a destinação de outrem, mesmo mediante o exercício do poder estatal e expedição de normas admitidas como sendo juridicamente válidas (de algum modo ele propagou o jusnaturalismo em reação ao até então dominante positivismo – de Hans Kelsen).
Em seguida, testemunhou o avanço das tropas soviéticas em solo polonês, expulsando os nazistas, conquistando aquele país e colocando-o sob o férreo manto do comunismo ditado por Josef Stálin (1924 a 1953) e outros Chefes posteriores, cuja ideologia – de origem marxista – defendia a extinção da propriedade privada, dos valores morais e éticos capitalistas e, principalmente, de tudo o quanto pudesse conspirar contra a orientação de construir uma sociedade nova com pilares ideológicos novos.
Nessa esteira ideológica, o comunismo pretendia igualar os indivíduos – tornando-os comuns – em todos os lugares em que exercesse o domínio político do Estado. Para essa finalidade era preciso retirar de cada pessoa todo o patrimônio, consistente nos bens materiais (casas, veículos, etc) e nos bens imateriais (ideias, opiniões e crenças), atribuindo-lhes um só modo de tratamento (camarada).
Em face desse ambiente ideológico, a Igreja atribuía identidade própria a cada fiel porque enquanto professava sua fé, a instituição o fixava aos costumes morais e éticos da comunidade em que se situava, na razão das particularidades de cada região (a Polônia tem santos e santas que o Brasil não tem, por exemplo).
Esses dois efeitos (professar a fé e fixar-se em lugar determinado) eram nocivos ao comunismo, devendo a Igreja ser extirpada dos lugares em que a ideologia marxista exercesse o domínio estatal. A Polônia era um deles e Karol Jósef Wojtyla era de lá.
Quando tornou-se Papa e adotou o nome João Paulo II para exercer o sumo pontificado, o então cidadão de raízes polonesas (por origem e devoção), apoiou o sindicalista (e eletricista) Lech Walesa e o seu recém-criado movimento político “Solidariedade” no combate ao comunismo, valendo-se da religião como fonte de cultura e de identidade. Com essa atitude, o povo polonês reagiu ao comunismo, mostrando que não era comunista nem acolhia essa ideologia.
Em relação à Teologia da Libertação, a Igreja Católica a combateu devido à admissão da libertação dos pobres pelos próprios pobres – e não pela palavra de Deus exposta pelo sacerdote. Quando essa corrente ideológica retirou do sacerdote a palavra da salvação, a pôs no mesmo mundo em que Karl Marx e Friedrich Engels elaboraram o comunismo: o mundo terreno, conduzido pelo materialismo dialético – método de raciocínio pelo qual a tese e a antítese estão sempre em colisão no mesmo plano (material) –, em que a palavra da Divindade “vicia” a marcha da História porque nela inclui a identidade do indivíduo ou do povo.
Resumidamente, a reação ao nazismo e ao comunismo não daria certo se Karol Jósef Wojtyla não reafirmasse os dogmas da Igreja. Era preciso atribuir maior força dogmática nas sagradas escrituras e suas revelações, fazendo delas mais do que instrumento à fé; era preciso torna-las instrumentos de validação dessa fé. Sem essa força, diluiria a reação ao nazismo e ao comunismo e a Igreja não conseguiria consolidar a identidade de cada pessoa.
Conclusivamente, o Papa – e polonês – João Paulo II sempre atuou em benefício da paz, da valorização do ser humano e da igualdade entre as pessoas. Combateu, ao seu modo e conforme as próprias possibilidades, um regime ideológico (o nazismo) e um modelo econômico (o comunismo), enfrentando situações perigosas, por vezes arriscadas e, mesmo diante de tais adversidades, nunca renunciou à fé, a mesma com que conduziu a Polônia à libertação do comunismo e seus seguidores na expectativa de que o mundo pode ser bem melhor do antes se pensava (o ecumenismo é tão possível quanto o fim do nazismo e do comunismo). Nada a mais.
Marcelo Augusto Paiva Pereira (o autor é advogado).