Pedro Novaes: 'Desumanos'
Pedro Israel Novaes de Almeida: ‘DESUMANOS’
Não cremos que Deus tenha feito o homem à sua imagem.
Deus não tem tantos defeitos. Logo no início, bastou uma linda maçã e uma cobra esperta para acabar com o paraíso.
A humanidade tem seus méritos, mas é sobretudo encrenqueira. Sempre descobre, e exercita, alguma maneira de conturbar o ambiente e gerar infelicidades.
Os homens divergem, e guerreiam, até pela visão que possuem de seus deuses e céus. A briga entre religiões é surda e muda, mas contínua.
A humanidade chegou a criar deuses que adoravam o sacrifício de ovelhas e pessoas, e distribuíam graças ao simples verter do sangue de inocentes. Embora repleta de gênios e filósofos, a humanidade fez sua história na supremacia da força, bem mais convincente que argumentos e ideais.
Nosso passado revela muitas guerras de conquistas, com direito a escravizar vencidos, saquear patrimônios e demolir culturas e tradições. Quando não guerreiam por poder e posses, guerreiam pelo simples prazer de guerrear.
A humanidade ficou ereta, caminhou, progrediu e tornou-se mandatária, e malversadora, da natureza. Contudo, ainda não conseguiu livrar-se de sua selvagem animalidade.
Sabemos, a contragosto, que a felicidade é uma sensação passageira, e que os objetivos perdem seus encantos, tão logo alcançados. Vivemos, desde os primórdios, em ambiente infeliz, entremeado por uma ou outra felicidade.
O dilema atual da humanidade reside na incapacidade de tornar perpétuos os avanços, e passageiros os retrocessos. A escolha de mandatários, nos países onde tal prática ainda é permitida, revela que o espírito público tem, na agigantada maioria das nações, o comportamento de uma torcida de futebol.
Bons mandatários possuem breves reinados, até pelo fato de sequer cogitarem a perpetuidade no poder. Déspotas e ditadores, honestos e desonestos, fazem de um mandato o passaporte para o mandato seguinte.
A humanidade é tão selvagem que sequer consegue estar representada nos meandros do próprio poder. Se algum dia dividiu-se em ideais, hoje divide-se em turbas e hordas, entoando hinos a líderes apequenados, com passado e futuro pouco virtuosos.
Surgem, aqui e acolá, a todo instante, estranhas ideologias e pensares, todos com grande número de adeptos, convergentes no objetivo de escravizar seus semelhantes. Existem até aqueles, ditos terroristas, que explodem cenas públicas pelo prazer de distribuir infelicidades e sobressaltos, mesmo sem conhecer suas vítimas.
Quando de alguma ocorrência violenta e atroz, ensina a história que não mais devemos proclamar que é desumana. Na verdade, nossas infelicidades são muito humanas.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.