Cláudia de Almeida Carvalho: 'O silêncio de minha solidão'
“Vejo agora os bambus sacudirem ao vento que, de repente, irrompeu no jardim como um presságio de mau agouro, e mesmo diante da cruel envergadura de seus galhos frágeis pela violência do vento, não se quebram, amoldando-se seus movimentos às intempéries na luta pela sobrevivência.”
É a manhã de 29 de dezembro de 2017, em que finalmente desperto da insônia da madrugada para, na letargia das batidas do meu coração, sentar-me no lugar reflexivo de sempre de onde agora olho para o vazio em mim, emoldurado pelo verde do meu jardim exibido em suas variantes tonalidades.
Reverenciando-me a um incenso já tocado em chama, liberto-o de sua enigmática fragrância a se espalhar pelo meu mundo contemplativo.
A temperatura é amena e agradável e uma garoa discreta a me refletir, acinzenta o céu destes últimos dias de um ano a se despedir da história.
O sino dos ventos, fonte de inspiração de meus tantos escritos, canta hoje melancolicamente, em cumplicidade com o ritmo do meu sentir, aos embalos da brisa que o entrelaça na dança de seus movimentos.
Distante, a pequena fonte desliza sua água por sobre os seixos que lhe quebram a solidão.
Gotículas brincam escorregando pelas flores aos pedriscos do chão.
O som da chuva atirando-se do beiral do telhado em movimento acrobático sobre os pisantes de concreto do jardim, é acompanhado pelos gritos extasiantes das calopsitas.
Ao meu lado, minha fiel companheira, me olha docemente na pureza da sabedoria de sua serenidade canina.
E na regência dessa orquestra acomodo o silêncio de minha solidão.
Em uma fração de segundo toda a minha música se desfez no pó das ruínas da dor de um precipitado adeus.
Rendo-me à lembrança da suave dança de sua mão no carinho do contorno do meu rosto, onde fecho os olhos e apenas sinto, e o tempo para, e só existe nós na mágica daquele momento.
Enxergo-me só, mas você ainda está comigo.
Sua presença dança cruelmente no permeio da fumaça deixada pelo abafar da paixão do nosso amor, impregnando todo o meu ser ainda entorpecido.
Expulsá-lo de minha mente, negar-lhe a existência em minha biografia, extirpá-lo do meu coração, tudo para amenizar a dor?
Não, senão comigo, para sempre em mim.
Quero vê-lo em minhas lembranças e fazer de você um dos capítulos de minha história, escrito com tanto esmero, assim como meu crescimento existencial tem me ensinado a registrar os demais capítulos no meu livro sagrado.
Vejo agora os bambus sacudirem ao vento que, de repente, irrompeu no jardim como um presságio de mau agouro, e mesmo diante da cruel envergadura de seus galhos frágeis pela violência do vento, não se quebram, amoldando-se seus movimentos às intempéries na luta pela sobrevivência.
Todas as experiências trazidas para a nossa vida nos adicionam e nos impulsionam ao nosso próprio avanço existencial, cabendo a nós decidir no que queremos transformá-las, se na preciosidade de uma jóia ou no embuste de um cascalho.
Feita a escolha estende-se frente a ela o caminho, em tapete de veludo ou de brita, onde seus passos lhe conduzirão pelo destino que você mesmo desenhou para si, podendo expandir a alma na maturidade do entendimento da lição aprendida, ou simplesmente aprisioná-la a vagar tateando na escuridão dos próprios desatinos.
O uivo do vento agora assovia dos lábios contorcidos pela dor, mas é abrandado pelos efeitos da tímida aparição do sol, descortinando o horizonte aos olhos da alma que buscará no amor toda a sua salvação.
Inspiração Poética, 29 de dezembro de 2017.
Cláudia de Almeida Carvalho – claudiacarvalho.oab@gmail.com