Tereza Du'Zai: 'Transições'
“Levava o inimigo morto nas costas,/ Sem remorsos e sem orgulho./ Os transeuntes pareciam não se importar,/ Cumprimentavam-no tirando os chapéus,/ – Bom dia, Jurandir./ – Bom dia, Seu Nino./ – Bom dia, Jurandir./ – Bom dia, Seu Zezo./ E seguia Jurandir com seu morto (…)”
TRANSIÇÕES
Levava o inimigo morto nas costas,
Sem remorsos e sem orgulho.
Os transeuntes pareciam não se importar,
Cumprimentavam-no tirando os chapéus,
– Bom dia, Jurandir.
– Bom dia, Seu Nino.
– Bom dia, Jurandir.
– Bom dia, Seu Zezo.
E seguia Jurandir com seu morto,
Haveria de cavar cova rasa, sem grande esforço,
Que virasse carniça pra urubu,
“Morreu porque quis o estorvado. Teimoso de uma mula!”
Mas, no final do caminho, havia um menino de braços abertos e riso corado.
E o menino era ele, Jurandir de Paula Solto.
Era ele menino.
Bonito como uma pera,
Forte e rijo.
Queres o morto? Perguntou Jurandir a si menino.
Não, o morto é teu.
Jurandir, homem, olhou-o confuso, admirado, admirando-o.
Jurandir, menino, olhou-o, pragmático, indiferente.
E partiu, dizendo, enquanto se distanciava de si homem,
O morto oto oto oto… é teu eu eu eu…
O morto oto oto oto… é teu eu eu eu…
O morto oto oto… é teu, eu eu…
O morto oto… é teu, eu…
O morto é teu.
O morto teu…
O morto eu…
O morto…
Eu…
Eu?
Tereza Du’Zai – terezaduzai@gmail.com