Tereza Du'Zai: 'Tiana'
“Duas ou três vezes ao ano, Tiana comemorava o aniversário. Não que desejasse envelhecer, mas gostava do rebuliço dos bodegueiros.”
Duas ou três vezes ao ano, Tiana comemorava o aniversário. Não que desejasse envelhecer, mas gostava do rebuliço dos bodegueiros.
– Não percisa trazê presente, só cachaça! Avisava.
Cachaça era tudo. Era a ansiedade, a cumplicidade, o consolo, a coragem, o riso, a exaustão, o esquecimento.
Mas um dia, de uma hora pra outra, entre um copo e outro, entre um gole e outro, Tiana se calou, endureceu, esfriou…
Os olhos abertos e tisgos no teto, a boca esgarçada, murcha e seca.
– Morreu.
– É, tá morrida memo. E cum sede.
– Não, cum sede não, tinha emborcado três copo.
– Prum corpo de bebo, três copo é poco.
– Derrama um golinho de pinga na boca dela, tadinha, adorava fazê niversaru.
– Um golinho só não adianta! Vira um litro goela abaixo. Defunto bebo morre ca boca seca.
Mas Tiana não engoliu um gole sequer. E a cachaça transbordou pelos cantos da boca aberta e murcha. Uma tentação!
– Pelo menos sente o gosto. Quanto bebo tem a sorte de sê velado ca boca cheia de pinga?
– Agora, é só deitá duas moeda de mil cruzeiro nos zolho e deu!
– Café e pinga! É disso que percisamu.
– Vô avisá as casa e pedi pro Ari trazê um garrafão de cinco litro. A noite tá toda pela frente.
– Será que ela vai pro céu?
– Só se fô pro céu dos bebo.
– Purgatoro! Bebo vai pro purgatoro.
– E fica lá toda vida?
– Depende…
– Depende?
– É. Se não fazê pecado, se fazê as oração que os santo mandá, acho que fica uns três ano.
– No caso da Tiana, ela só não pode é pedi pinga, porque ela era boa, era dada.
– Mas, e se ela pedi pinga pros santo, vai pro inferno?
– Vai. O Canhanho vai lá e leva ela cum ele.
– Intão, não é bom que ela chegue lá ca boca cheia de pinga.
– Não é.
– Vamo emborcá ela?
– Não! Não percisa! Eu tenho um canudo aqui no borso.
Tereza Du’Zai – terezaduzai@gmail.com