Célio Pezza: 'Arquétipos femininos'
“Em 2016, o papa Francisco instituiu a data de Maria Madalena em festa litúrgica, assinalando a relevância desta mulher e seu amor por Cristo. Ele enfatizou seu título de ‘apóstala dos apóstolos’. Esse gesto, cheio de simbolismo, repercutiu muito entre estudiosos, mas foi dada pouca atenção pelos religiosos e defensores da tradição.”
Na crônica anterior analisamos o mito da criação, os episódios do Jardim do Éden e a existência de Lilith, a primeira mulher de Adão.
Agora, vamos analisar os arquétipos de quatro mulheres, ou seja Lilith, Eva, Maria, mãe de Jesus e Maria Madalena, companheira de Jesus.
Eva, segundo a bíblia, além de culpada pela desgraça humana, é também estereotipada como aquela que deu ouvidos ao Diabo, sendo propensa a ser enganada por ele. Este pecado perseguiu as mulheres principalmente no período da Inquisição, onde o fato de ter nascido mulher já era um pressuposto para sofrer uma acusação de bruxaria e pactos demoníacos, tendo o fim em uma fogueira santa. Eva também é o exemplo da esposa submissa, que fica ao lado do marido, mas sempre inferior ao homem.
Lilith, como já vimos, é a mulher que não aceita ser considerada inferior, a rebelde, que prefere ser expulsa do paraíso a ter uma vida de submissão. É a mulher questionadora, inteligente, guerreira, sensual e ciente da sua força. Por causa disso, foi transformada em um demônio, pelos textos machistas da época. Sua história, presente na cultura dos babilônicos, assírios, hebreus e nos livros de sabedoria, considerados apócrifos pela cultura cristã, sumiu com o passar dos séculos.
Maria Madalena, é outra mulher injustiçada pela História. Muita gente cresceu ouvindo que ela foi uma prostituta que encontrou Jesus e, arrependida, foi perdoada e passou a segui-lo. Tudo indica que essa história foi uma cuidadosa invenção da igreja, para enterrar uma das personagens femininas mais fortes da antiguidade e para manter as mulheres fora do clero. Os evangelhos que continham escrituras sagradas sobre ela foram considerados ‘apócrifos’, ou seja, não de acordo com os cânones do nascente cristianismo. Ela foi uma mulher à frente do seu tempo, que desafiava a sociedade patriarcal da época. Era uma seguidora de Jesus e grande líder da época. Ela era incômoda aos primórdios do cristianismo e havia uma igreja dividida devido à sua liderança. O texto que mais suscita discussões sobre ela é o Evangelho de Felipe, que fala sobre um relacionamento amoroso com Jesus, pois diz que era sua companheira, muito mais do que sua seguidora.
Em 2016, o papa Francisco instituiu a data de Maria Madalena em festa litúrgica, assinalando a relevância desta mulher e seu amor por Cristo. Ele enfatizou seu título de ‘apóstala dos apóstolos’. Esse gesto, cheio de simbolismo, repercutiu muito entre estudiosos, mas foi dada pouca atenção pelos religiosos e defensores da tradição.
Por outro lado, em Maria, temos a mãe do salvador e da humanidade. Ela é virgem e, ao mesmo tempo, a mãe de Jesus. Ela reúne as atribuições perfeitas da mulher cristã, pois de virgem e pura, passa à maternidade sem contato carnal e, depois de mãe, torna-se assexuada, como todas as mães deveriam ser no imaginário cristão ocidental. Para Eva, o sofrimento da maternidade foi um castigo pelo seu pecado mas, com Maria, vem a redenção. Maria passa a ocupar o posto de mãe da humanidade, título que, pela lógica, deveria ser de Eva. Maria é, por excelência, o modelo de mãe ideal, pois Maria só é Maria, pelo fato de ser mãe de Cristo.
Maria também vê o sofrimento de seu filho. Estas imagens trazem um modelo do feminino que se realiza na maternidade, a qual sempre lhe traz sofrimento. É uma figura tolhida, submissa, sofredora, que só tem sua identidade ligada a uma figura masculina.
Célio Pezza – escritor@celiopezza.com