Paulo Roberto Costa: 'Cotidiano'
“Já são quase 2h00 da manhã. Uma nova segunda-feira se inicia. Achei que o cansaço do dia me faria dormir mais cedo. Ledo engano. O silêncio da noite me tornou um pouco mais introspectivo.”
Já são quase 2h da manhã. Uma nova segunda-feira se inicia. Achei que o cansaço do dia me faria dormir mais cedo. Ledo engano. O silêncio da noite me tornou um pouco mais introspectivo.
Por alguma razão não me animo a ir para a cama. Da mesma forma que não quis assistir televisão e tomar minha dose diária de roubos, assassinatos, corrupção e violência dos noticiários e filmes. Nem computador ou leitura. Sinto-me totalmente abúlico. Começo a pensar no dia que tive. Acordei tarde. Quase 10h. Ainda assim fiquei um pouco mais na cama como que para me vingar dos dias de semana que me obrigaram a levantar correndo e tentar tirar o atraso no caos do trânsito. Lembro-me que tinha um monte de planos para este domingo, mas agora a lassidão da manhã me tirou a coragem.
Um rápido café e saio para aproveitar o raro sol. Caminho por avenidas fechadas para o tráfego, que ainda guardam o cheiro da poluição da semana. Caminho lentamente, observando as diferentes atrações patrocinadas pela prefeitura em franca campanha pela reeleição. Tinha a intenção de achar uma mesa vaga na calçada de uma das pequenas lanchonetes que festejam os eventos dominicais. Estavam todas tomadas por casais ou por solitários de olhares perdidos com o copo de cerveja obrigatório e já quase quente.
Voltei a caminhar, passeando pelas ruas do bairro até atingir uma pracinha famosa pela sua feira de antiguidades. Nome pomposo para quinquilharias às quais eu não dou o mínimo valor. Talvez eu não entenda de arte. Graças a Deus!
Finalmente, uma mesa vaga na tenda de pastéis. E caldo de cana. Sentia-me um pouco um expectador de um filme ou coisa que o valha. Parecia não fazer parte daquilo tudo. Uma senhora de idade indefinida, rosto marcado pela vida e da cor do mundo passou por mim com um saco onde guardava latinhas vazias. Falava consigo mesma.
De repente, um casal de idosos se aproximou, murmurou algo que me pareceu um pedido de consentimento e antes que eu pudesse responder sentaram-se à mesa, como se eu não existisse. Conversavam animadamente, com olhares críticos a um casal de homossexuais em outra mesa.
A senhora do saco parou no meio da rua e começou a cantar e a dançar uma música imaginária. Parecia louca. Parecia feliz. Ninguém se importava. Nem os idosos, nem o casal de gays, nem os simulacros de hippies em suas barracas com seus estranhos artesanatos. Para eles, ela já fazia parte da paisagem.
Voltei para casa, acomodei-me na sacada com uma garrafa de vinho e fiquei assistindo a tarde morrer, levando consigo um dia estranhamente diferente. Simples, tranquilo. E, enquanto a noite se insinuava com uma brisa fria, escondendo o sol que banhava o céu de um dourado singular, fiquei pensando nos trailers das mil histórias de vida que o dia me apresentou.
Paulo Roberto Costa – paulocosta97@gmail.com