Pedro Novaes: 'Ladroagem oficial'
Pedro Israel Novaes de Almeida – ‘LADROAGEM OFICIAL’
Seria injusto afirmar que a corrupção integra nossa cultura e tradição.
Na verdade, ela sempre integrou a cena brasileira, e há séculos convivemos com desonestos, públicos e privados. Aprendemos a emprestar status diferenciados à roubalheira.
De um lado, o simples e odiado ladrão, que simplesmente se apropria de algo que não lhe pertence, seja uma galinha ou todo o galinheiro. De outro, o corrupto, de status mais refinado e educados trejeitos, que rouba o que a todos pertence.
O corrupto não faz uso da força, e sequer ameaça a integridade física de suas vítimas, que pouco experimentam a sensação de que foram lesadas, imaginando que o objeto ou quantia roubada pertence a um ser abstrato e nada familiar, vulgo Estado. São poucas as percepções de que a corrupção limita a prestação do serviço público, notadamente nas áreas da saúde, educação e segurança.
A corrupção é uma praga humana universal, e recebe tratamento diferenciado, segundo o grau de civilidade e maturidade das instituições de cada país. São raros, raríssimos, os ditadores honestos, e a centralização do poder é um dos principais ingredientes da roubalheira oficial.
Duas providências enfraqueceram a corrupção, mundo afora: a certeza da punição e a condenação social, principalmente pelo uso do voto como reprimenda aos desonestos. Em países onde reina, já histórica, a impunidade, e onde a população insiste em eleger e reeleger bandidos engravatados, instala-se o império da falcatrua, da insensatez e da miséria social.
No Brasil, pouco adiantou a instituição de sofisticados rituais para o gasto público, a começar pelas diferentes modalidades de licitação. Acabamos por prestigiar a forma e negligenciar o conteúdo, tornando um procedimento útil em mero cumprimento de enfadonha formalidade.
Algum licitante pode sair vencedor de alguma concorrência, pelo parâmetro preço, mas estar previamente acertada a entrega de quantidade menor de mercadoria. Como apurar se foram entregues 70 ou 80 toneladas de emulsão asfáltica, das 100 adquiridas e pagas pelo poder público ?
A política gera poderes que a tornam atrativa e até rentável, como autorizar despesas, contratar e nomear, no Executivo, ou omitir, consentir, indicar nomeáveis e até roubar junto, no Legislativo. No Brasil, o uso indevido da máquina pública sustenta a legião de cabos eleitorais comissionados, facilita a reeleição e perpetua a malandragem.
A Lava Jato não vai erradicar a corrupção. Vai, no máximo, demonstrar-lhe as entranhas e enjaular alguns safados.
A operação está lançando luzes sobre a precariedade de nossos homens e instituições, judiciárias, executivas e legislativas, além de tirar das sombras a realidade da mídia, das organizações ditas sociais e das vertentes partidárias que exaltam criminosos.
A Lava Jato está entregando, à população, a radiografia de nossa incivilidade. Daí em frente, caberá a cada um combater, em seu entorno, a desonestidade.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.