Pedro Novaes: 'Foi só um foguinho'
Pedro Israel Novaes de Almeida – FOI SÓ UM FOGUINHO
Consegui identificar pelo menos dois inocentes, no caso do prédio que incendiou e ruiu, no centro de São Paulo: os bombeiros e o Pastor Belga, que os auxiliava.
O risco que envolvia o prédio já havia sido diagnosticado, escrito e assinado pelos bombeiros e por um morador da região. Os documentos ilustraram inquéritos, com direito a perícias, depoimentos técnicos e contemplações jurídicas, terminando por repousarem sob a alcunha de “arquivados”.
Invasores, que habitavam o local, manuseavam papelões, plásticos, botijões de gás, madeira e álcool, além de dormirem em barracos erguidos sobre o piso. O fosso, que restou do elevador, foi transformado em lixeira para uso geral, verdadeiro depositório de material altamente inflamável.
Apesar de precária e clandestina, a residência era onerada pelo pagamento de aluguel, mensalmente recolhido por pessoa ou grupo que sequer era proprietário. O atrativo da aventura era a localização privilegiada, uma vez que a maioria dos invasores trabalhava no centro da capital.
Prestativos, solidários e solícitos, políticos desfilaram lamentos, referindo-se mais à titularidade do imóvel que a questões de menor importância, como a vida humana e a política habitacional de sempre. Como novidade, prometeram verificar as condições das centenas de imóveis invadidos, na região.
Igualmente prestativos, solidários e solícitos, os mentores e incentivadores da ocupação não puderam comparecer à constatação dos escombros, certamente por deveras emocionados. Sequer recolheram bandeiras ou apagaram pichações.
Pouco sabemos a respeito da celeridade com que tramitaram, na justiça, os pleitos de reintegração de posse do imóvel, e sequer lemos os arrazoados que clamaram por urgência, uma vez que o episódio envolvia centenas de crianças e idosos, em condições sub-humanas. Mesmo deferida, a reintegração seria sucedida por negociações sem prazo.
O desastre, mais um, não constituiu novidade, mas demonstrou que nossas instituições pouco funcionam, e que continua válida a opção exercida desde 1.500, segundo a qual a melhor maneira de enfrentar um problema é ignorá-lo. O lado bom da tragédia é que, pelos próximos quinze dias, haverá alguma providência oficial acauteladora.
Em um país onde índios podem instituir pedágios, propriedades podem ser invadidas e vandalizadas, e nunca se sabe a jurisprudência de plantão, um ou outro desastre é normal.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.