Nicanor Pereira Filadelfo: 'O negro passado e a luz da esperança'

 “Temos, humanamente, a tendência de esquecer-nos dos bens alcançados, porém, o mesmo não ocorre quando algo de mal nos acontece.”

 

Há cento e quarenta anos, proclamava-se, no Brasil, a libertação legal dos escravos, legal sim, porque feita em lei, somente. Libertação, a meu ver, atabalhoada, sem um mínimo de segurança social para um povo que aqui estava não por decisão própria, mas pela opressão de seus ancestrais, já originária em sua terra por ação de seus algozes, ratificada e majorada pela mercantilização, pela materialização, ou “coisificação” do ser humano. Isso, indiscutivelmente resultou numa sociedade frustrada de bens, de perspectivas econômicas, sociais, morais, e educacionais, ensejando o Brasil que vivemos hoje.

Temos, humanamente, a tendência de esquecer-nos dos bens alcançados, porém, o mesmo não ocorre quando algo de mal nos acontece. É preciso que envidemos esforços com o fim de esquecermos todo o mal que nos atingiu, e coloquemos os nossos olhos na direção do horizonte, na busca de novos tempos, de nova sociedade, a qual somente poderá ser alcançada pelo labor de cada brasileiro, independente de sua ancestralidade, de sua raça, de sua posição social, pois o mal que se abateu sobre o país é, forçosamente, comum a todos nós, brancos amarelos ou negros. ESQUEÇAMOS O PASSADO, OLHEMOS PARA O FUTURO!

 

Navio de horrores

Albatroz, albatroz! — Dizia o libertário:

Tu que pairas sobre os mares tenebrosos

Não atentas, sequer, ao vil calvário

Da negra gente, em prantos dolorosos?!

 

Que horror!… E que infindas amarguras

Transporta o infame lenho, mar afora:

A desgraça que ao Hades se afigura,

Que a vida, em meio à dor, tanto devora.

 

Ao som do pranto, cantigas e clamores,

Estala a chibata em dorsos nudos,

O infernal concerto dos horrores.

 

Ascende aos céus, ó Ícaro albatroz,

Implora a Deus, peço, os seus favores:

Que extirpe de nós — essa lembrança atroz!