Debates eleitorais são a quintessência da chatice, principalmente depois que os candidatos passaram a ser miquinhos amestrados dos marqueteiros, postando-se na frente das câmaras para, com a aparência e os trejeitos recomendados, repetir a lengalenga que lhes martelaram na cabeça durante dias e dias de ensaios.
Como profissional de comunicação, participei de muitos media trainings para grandes empresários burros e antipáticos parecerem inteligentes e simpáticos quando davam entrevistas. Envergonhava-me de ter de ensiná-los a ludibriarem a opinião pública.
A maratona do tédio durava umas duas horas. Alternávamo-nos fazendo ora perguntas amistosas, ora aparentemente inofensivas mas que embutiam uma casca de banana para eles escorregarem, ora interpelando-os agressivamente, e por aí vai.
Se vacilavam, explicávamos qual havia sido seu erro, trocávamos ideias sobre como poderiam ter respondido melhor àquela questão e repetíamos a pergunta para responderem de novo e, assim, certificarmo-nos de que tinham aprendido direitinho a lição.
Suponho que, para o debate desta 4ª feira (9) na Band, nenhum dos protagonistas (Alckmin, Bolsonaro, Boulos, Ciro, Marina e Meirelles) tenha suportado menos do que umas dez horas dessa tortura. Alvaro Dias e o cabo Daciolo provavelmente bem menos, talvez nada, pois correm sabendo que não vão chegar.
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Como ninguém quis ou soube encostar o Alckmin na parede, ele pôde passar a imagem de bom administrador, que conheceria a fundo os problemas. Pelo menos mostrou caráter ao defender as impopulares reformas previdenciária e trabalhista, embora estando careca de saber que a grande maioria dos telespectadores discordava da sua posição.
Bolsonaro era um ogro fingindo de bonzinho, mas foi nocauteado por Boulos, que atirou o nepotismo na sua cara e lhe grudou o rótulo de farinha do mesmo saco (acusação simplesmente irrefutável no caso de quem vive da política há 30 anos, já está no seu nono partido e cumpre seu sétimo mandato legislativo), desfazendo a ilusão de que ele seria uma alternativa à podridão do sistema político brasileiro brasileira.
Quando percebeu nada tinha a dizer capaz de reduzir o impacto das acusações, o ex-militar bateu vergonhosamente em retirada, certamente aconselhado pelos marqueteiros (não insista com assuntos desfavoráveis porque, quanto mais falar, maior quilometragem eles terão depois). Fez mais ou menos o que ensinávamos aos clientes empresários: quando sua culpa for evidente, mais vale reconhecê-la em poucas palavras para liquidar logo o assunto.
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Não minha senhora, não quero comprar A Sentinela
Boulos teve seu grande momento batendo em bêbado (desconstruir Bolsonaro é a coisa mais fácil do mundo) e seu pior momento quando iniciou o debate prestando vassalagem ao Lula. Parece não lhe ter ainda caído a ficha de que, apesar de todo puxa-saquismo explícito, o dono do PT não o ajudará de nenhuma maneira a tornar-se o candidato de união das forças de esquerda, muito pelo contrário.
Marina cada vez me lembra mais aquelas austeras senhoras, testemunhas de Jeová, que tocavam a campainha de manhã cedinho e me tiravam do sono para oferecer A Sentinela.
Meirelles cada vez me lembra mais certos professores intragáveis do meu ginásio, que até sabiam do que estavam falando mas, ou não conseguiam fazer-se entender, ou não conseguiam tornar interessante o que diziam.
De resto, o que afinal esses shows televisivos têm a ver com o real exercício do cargo que está em disputa (principalmente hoje em dia, quando presidentes da República têm autonomia apenas para decidirem sobre ninharias e as decisões importantes são ditadas pelo poder econômico)?
Então, a única coisa que compensa o tempo perdido na frente da TV são as situações que, apesar da camisa-de-força das regras dos debates, revelam o que realmente são os canastrões da política profissional.
Vídeo: com tal telhado de vidro, só um imprudente insistiria em atacar os outros
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