Élcio Mário Pinto: 'Convivências desesperançosas'

“Não somos uma folha em branco, quando nascemos, é bem verdade! Influências, ambientes e convivências nos invadem o tempo todo.”

 

Em meu trabalho cotidiano na Educação Básica, não raro, num contato direto com crianças na escola, duas situações me chamaram a atenção:

  • a primeira, quando a turma do ensino fundamental me disse que, se um livro falasse, ele seria esfaqueado, jogado e queimado;
  • a segunda, quando o menino, de quase 5 anos, me chamou para dizer que a coleguinha disse-lhe que eu era feio.

Inicialmente, alguém pode retrucar:

– Não se preocupe com isso, é só uma criança!

– É, pode ser, mas eu também tenho sentimentos.

– Você não pode se ofender com um julgamento infantil.

– Por que não?

– Porque é só uma criança inocente. Nem sabe, ao certo, o que está dizendo.

Então, vamos tratar do assunto começando, exatamente, pela inocência.

Não somos uma folha em branco, quando nascemos, é bem verdade! Influências, ambientes e convivências nos invadem o tempo todo. Disto, já podemos concluir: faz todo sentido que os julgamentos que fazemos, mesmo em tenra idade, sejam muito mais o reflexo do que trazemos dos ambientes e das convivências do que aqueles que criamos enquanto crescemos em tamanho e em idade. Se ainda sequer tivemos tempo para construir critérios é sensato que façamos cópia do que vemos, ouvimos e sentimos a partir das pessoas que nos ensinam, muito mais do que apegar-nos à autonomia numa criação própria do que decidimos e escolhemos.

Se tal conclusão faz sentido, devo refletir: ao que essa criança está sendo exposta? Que critérios e padrões fazem parte de sua vida enquanto criam, para ela, razões que a convencem enquanto diz de alguém: feio, bonito, gordo, magro ou ainda, gosto de você ou, eu o odeio?

Pode-se falar de precipitação, mas vejo, nessa manifestação infantil, uma porta aberta para preconceitos, socialmente, disseminados. É algo que espalha-se pela vida enquanto se cresce. Alastra-se como “pólvora” acesa. Por quê?

Ora, a criança que copia seus adultos imediatos e sente-se segura para dizer de seus sentimentos, tem todas as condições para ampliá-los: sentimentos e julgamentos. Então, é preciso atentar-se para a educação recebida pela criança em duas situações distintas e complementares: uma é a família e a outra, a escola. O que é que se vive lá e o que se ensina aqui? Como se convive lá e como se convive aqui?

Mas, se apesar de tudo o que aqui disse, ainda me questionarem de que exagero em relação à criança tão pequena que a mim atribuiu o julgamento de “feio”, respondo:

– Não só a palavra, mas a reação de seu corpo se encolhendo e de seu rosto se contorcendo, numa expressão de repulsa e asco. Aquele que a ela assim se mostrava não merecia NADA mais!

É ou não é preocupante?

Quanto à primeira situação, creio que as reações apresentadas por crianças, um pouco maiores – 7 e 8 anos de idade -, revela sem esconderijos, que estão expostas à violência dos meios de comunicação e das convivências imediatas.

E mais, a cópia de comportamentos agressivos e violentos ali se materializava em sentimentos acompanhados de sorrisos. Uma espécie de satisfação por impor dor e sofrimento. Longe de ser uma brincadeira, era uma promessa, caso se encontrassem com algum livro numa biblioteca e ele, de repente, começasse a falar.

Trata-se, enfim, da expressão máxima da intolerância frente à diferença.

Se há algo que me assusta ou me é desconhecido, devo eliminar. Para tanto, uso de instrumentos para dor, tortura e morte. Não importa-me as consequências, o que quero é me livrar daquilo e eliminá-lo, extirpá-lo.

– Nossa, que análise mais triste e desesperançosa?

– Se a análise o é, a situação analisada é desesperadora, aterradora e catastrófica!

Ao que essas crianças são expostas?

Eis os conteúdos levados para a CONVIVÊNCIA.

 

ÉLCIO MÁRIO PINTO – elcioescritor@gmail.com

20/08/2018