Sônyah Moreira: 'Bobo da corte'
“O bufão mais famoso de Shakespeare foi o da corte do Rei Lear; era um alter ego, um espelho do próprio rei. Todos nós temos, no íntimo, os nossos alter egos, alguns macabros.”
Bufão, bufo ou bobo da corte, era o nome dado ao funcionário da realeza, aquele sujeito contratado exclusivamente para entreter reis e rainha.
Essas pessoas eram as únicas que podiam afrontar e falar algumas verdades sem risco de morte, ao mais afortunados e à realeza. Imagine em um banquete regado a vinho, a balbúrdia que deveria ser.
O bobo da corte dizia coisas que a plebe gostaria de falar aos monarcas. Nas peças de Shakespeare, era recorrente haver este personagem; em geral, era ingênuo e leviano, com a língua afiada, servia para insultar e fazer comentários ásperos sobre os outros personagens.
O bufão mais famoso de Shakespeare foi o da corte do Rei Lear; era um alter ego, um espelho do próprio rei. Todos nós temos, no íntimo, os nossos alter egos, alguns macabros.
A maioria das pessoas, infelizmente, ri dos bobos da corte, sem compreender que estão rindo de si mesmas. As situações ridículas e incongruentes são as nossas. O bobo da corte queria, na verdade, que o público compreendesse o seguinte: que nós é que somos os bobos, que nossa vida é cheia de esquisitices, de multiplicidades psicológicas, de diabruras mentais, de conflitos. Se essa situação não fosse lamentável, deveríamos rir de nós mesmos.
Deixemos de lado histórias fantasiosas, vamos aplicar este cadinho de conhecimento em nossos dias atuais e ver quantos bobos podemos encontrar, sobretudo, na atual política.
Esqueça aquele que se apresenta fantasiado de palhaço! Esse é palhaço de profissão; infelizmente o conhecemos de longa data, a figura prometeu que mudaria de picadeiro, porém, almeja permanecer e se eternizar com suas acrobacias sem graça.
Tem outro que se presta a um papel mais complicado, é como um alter ego de seu rei, permanecendo como sombra, até o último instante da peleja leal ao seu rei, e dizendo: eu sou apenas o vice! Ao abrir as cortinas do teatro eleitoral, quem se apresenta como personagem principal? Deve ser algum caso de transmutação de corpos, alguma magia, penso cá com meus botões! É arrogância mesmo.
Aliás, sem querer generalizar, tem diversos bobos da corte nestas eleições, difícil será escolher, digamos, o menos ruim; uns são mais afoitos, outros kamikazes que se arriscam por caminhos tortuosos com declarações polêmicas. Outros, mais dramáticos e com problemas de dicção. Entre eles, há um que, com certeza, deve ter feito parte do séquito de algum faraó do antigo Egito, foi um bufão da era faraônica, pois se parece muito com uma múmia, vez por outra o flagramos tentando voltar ao seu sono milenar, em leves cochilos.
A coisa é séria, estamos há décadas comendo sopa de pato, requentada, até que vire um caldo aguado, sem nenhum pedacinho do pato. Esta história é descrita na parábola do personagem mítico Mulá Nasrudin (séc. XIII ou XV). Aa sua origem é medieval, e bastante conhecido no Egito, Turquia, Irã, Rússia, entre outros lugares. Mulá usava as historietas para descrever situações e fazer com que as pessoas refletissem sobre seus comportamentos.
A “Sopa de pato” é mais ou menos assim: a verdade, da verdade, da verdade, ou seja, no final não haverá nem uma faísca sequer da verdade, e virou uma água suja, sem a verdadeira essência, que é o pato!
A conclusão é que somos nós os “bobos da corte”, e no banquete só nos restará saborear a sopa de pato. Ou sapo? Sei lá! O fato é que, com pato ou sem sapo, estamos há 500 anos engasgados com a nossa nobreza vitalícia, travestida de democracia republicana!
Um bobo incomoda muita gente;
Dois bobos incomodam, incomodam, muito mais;
Três, quatro, cinco… Incomodam, incomodam… Muito mais!
Sônyah Moreira – sonyah.moreira@gmail.com