Artigo de Marcelo Paiva Pereira: 'PRUITT-IGOE: O MITO DA REALIDADE'
PRUITT-IGOE: O MITO DA REALIDADE
Ao conjunto habitacional de Pruitt-Igoe (1952 a 1972) o historiador e crítico da arquitetura Charles Jenks atribuiu o símbolo do fracasso da arquitetura moderna, por ter sido mal sucedido na realização do espaço pelos moradores e frequentadores, tendo (esse resultado) causa no projeto e não na administração. O presente texto, mesmo superficialmente, mostrará o contrário.
A mencionada obra foi construída ao N de Saint Louis (Estado do Missouri), nos Estados Unidos, para atender a política social do governo federal americano de retirar famílias das favelas e cortiços e integrá-los no ambiente urbano com infraestrutura consolidada.
Resultou da Lei da Habitação, promulgada em 1949 pelo governo federal, a qual também permitiu a construção de bairros planejados para a classe média nos subúrbios das cidades, das quais a Administração Pública de Saint Louis a executou sem as devidas cautelas.
A cidade de Saint Louis estava recebendo migrantes de várias cidades e de outros Estados-membros, que se instalavam nas periferias pobres, mas avançavam em direção ao centro e causavam a redução do valor do solo urbano.
Para conter esse avanço, em 1950 a prefeitura de Saint Louis obteve verba do Estado para demolir favelas e cortiços próximos do centro e vender as áreas à iniciativa privada, com vistas a assegurar a ocupação do trecho urbano por atividades comerciais e pela classe média, e construir conjuntos habitacionais verticalizados para abrigar a população pobre da cidade.
Aquele conjunto habitacional foi projetado pelo arquiteto Minoru Yamasaki (1912 – 1986) e era formado por 33 edifícios de 11 andares e 2870 apartamentos, distribuídos em 57 acres. Em relação aos edifícios, cada qual possuía corredores comuns a cada três andares para lavanderia, depósito de materiais, lixo e cômodos compartilhados. Em relação à implantação, havia ruas separadas para a circulação de pessoas e de veículos, e também espaços para diferentes funções (playground, creche e lavanderia).
O interesse da Administração Pública era abrigar 12.000 pessoas de famílias selecionadas, após entrevistas com os assistentes sociais designados. As famílias escolhidas assinavam contratos de aluguel, submetendo-se a regras muito severas, que limitavam os direitos de uso do imóvel.
Os contratos de aluguel eram celebrados com as mulheres; seus maridos (desempregados ou procurando emprego) não podiam habitar em nenhum dos imóveis sob pena de rescisão contratual. Os inquilinos também não podiam ter telefone nem televisão. As benesses urbanas concedidas aos moradores eram limitadas e a Administração Pública era a proprietária do conjunto habitacional.
A Administração Pública arrecadava o dinheiro dos aluguéis, com vistas a cobrir as despesas do condomínio; mas, por serem muito elevadas e não as subsidiar, a diferença foi transferida aos moradores, que a rateavam. Ainda assim os problemas de manutenção e assistência técnica continuaram porque precisavam da autorização da aludida proprietária para os reparos.
No mesmo período a classe média mudou-se do centro para viver em bairros planejados nos subúrbios de Saint Louis, distanciando-se dos moradores de Pruitt-Igoe, que trabalhavam em diversas atividades e serviços e para essa classe social. O distanciamento dos locais de trabalho os prejudicou, causando desemprego para uns e salários baixos para outros.
Com as dificuldades financeiras que avançavam, tornou-se muito onerosa a manutenção do condomínio, levando várias famílias a mudar de endereço, abandonando os imóveis e deixando Pruitt-Igoe para trás.
O ambiente social tornou-se hostil, os traficantes e usuários de drogas invadiram os imóveis abandonados e a violência tomou conta do lugar: a polícia, os bombeiros e as ambulâncias não podiam entrar lá, assim como aos moradores remanescentes o risco à vida era muito grande (estupros, furtos, roubos, assassinatos, etc). Em 1972 foi demolido o primeiro dos edifícios, em 1976 foram demolidos os que sobraram e no local atualmente encontram-se implantados edifícios de escolas e de cursos técnicos.
O conjunto habitacional de Pruitt-Igoe era um projeto de habitação popular, com vistas a realizar o bem estar social a ser cumprido pelo Estado, que tem o dever de tutelar a sociedade. Ele estava inserido em uma política urbana bem intencionada, mas executada sem as cautelas necessárias para integrar a população desse condomínio no ambiente urbano que se transformava, devido às diretrizes da Lei da Habitação de 1949.
O nome dado ao conjunto habitacional vem de dois cidadãos americanos, Wendell Pruitt, que era negro e foi piloto de avião; enquanto William Igoe era branco e foi político. O nome Pruitt-Igoe foi em homenagem a ambos e aos imigrantes e migrantes pobres – brancos e negros – que se instalaram na cidade de Saint Louis.
O mito sobre o conjunto habitacional de Pruitt-Igoe faz crer que o fracasso experimentado resulta do projeto desenhado pelo arquiteto[i], que acolheu o modernismo como modelo arquitetônico e urbanístico para realiza-lo. Não se pode acolher este posicionamento, porque referido projeto foi encomendado pela Administração Pública para o alcance do bem estar social, que não se operou como deveria em razão da má administração por ela realizada.
O fracasso de Pruitt-Igoe tem causa na má administração pela Administração Pública, que ignorou ou menosprezou várias situações que ocorriam:
- Não observou a migração da classe média, do centro para os subúrbios;
- Os inquilinos ficaram muito distantes dos locais de trabalho;
- Limitou os direitos de moradia aos inquilinos;
- Diminuiu as benesses urbanas a eles;
- Cobrou aluguel muito elevado;
- A manutenção do conjunto habitacional era muito onerosa e não foi subsidiada.
Em suma, o fracasso do conjunto habitacional de Pruitt-Igoe resultou da má administração operacionalizada pela Administração Pública em face da Lei da Habitação, e não pelo projeto do arquiteto nem pelo modernismo[ii]. Nada a mais.
Marcelo Augusto Paiva Pereira.
(o autor é aluno de graduação da FAUUSP)
BIBLIOGRAFIA
ARAVECHIA, Nilce; BRITO, Flávia; CASTRO, Ana. Evolução do Equipamento da Habitação. FAUUSP. De 02.03 a 08.06.2015. Anotações de aulas. Não publicadas.
BASSANI, Jorge; CYMBALISTA, Renato. História do Urbanismo Contemporâneo. FAUUSP. De 07.08 a 04.12.2013. Anotações de aulas. Não publicadas.
SITE DA FOTO
ARCHDAILY.COM.BR. Disponível em: www.archdaily.com.br. Acessado aos 08.06.2015.
SITES
PORTALARQUITETONICO.COM.BR. Pruitt-Igoe. Disponível em:
http://portalarquitetonico.com.br/pruitt-igoe/ Acessado aos 11.03.2015.
ACADEMICCOMMONS.COLUMBIA.EDU. Disponível em: academiccommons.columbia.edu/download/fedora…/94-156-2-PB.pdf. Acessado aos 11.03.2015.
ARCHDAILY.COM.BR. Exibição do filme “O Mito de Pruitt-Igoe” na X Bienal de Arquitetura de São Paulo. Disponível em: http:/adbr001cdn.archdaily.net/wp-content/uploads/2012/01/1326476605_1500px_aerialview_pruitt_igoemyth_credit_stathistsocofmo.jpg. Acessado aos 08.06.2015.
YOU2REPEAT.COM. The Pruitt Igoe myth – an urban history (trailer oficial legendado). Disponível em: http:/www.you2repeat.com/watch/?v=xdeZpPws8lo&s=0&e=152I=i. Acessado aos 08.06.2015.
[i] Assim diz Clara Irazábal: “(…). Seu projeto, assinado por um dos mais preeminentes arquitetos do país, Minoru Yamasaki, seguiu os princípios de planejamento de Le Corbusier e dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna e foi saudado como um exemplo do novo iluminismo. O PI chegou a ganhar prêmios do Instituto Americano de Arquitetos quando foi desenhado, em 1951.”. IRAZÁBAL, Clara. Do Pruitt-Igoe ao World Trade Center. Disponível em: <academiccommons.columbia.edu/download/fedora…/94-156-2-PB.pdf> Acessado aos 11.03.2015.
[ii] Assim diz Guilherme Ruchaud: “A arquitetura moderna falhou em alguns aspectos, mas parece-me um grande equívoco associá-los ao fracasso de Pruitt-Igoe. (…)”. RUCHAUD, Guilherme. Pruitt-Igoe: o mito em torno de um conjunto habitacional. Disponível em: <http://portalarquitetonico.com.br/pruitt-igoe/> Acessado aos 11.03.2015.