Celso Lungaretti: 'O homem que finge disparar é a versão atualizada do homem que fingia varrer?

Celso Lungaretti: A MONTAGEM DO NOVO MINISTÉRIO É UM PANDEMÔNIO,
UM SAMBA DO CRIOULO DOIDO OU UMA COMÉDIA PASTELÃO?

Ndomingo maldito, apurados os votos e consumada a desgraça brasileira, sai caminhando pela cidade, numa noite em que a São Paulo da garoa parecia reviver, como se chorasse nosso infortúnio. Precisava de ar puro (sentia-me sufocar no meu apê) e queria reavaliar as perspectivas, que de um momento para outro haviam se tornado tão sombrias.

Não havia base para boas projeções de cenários, salvo as de que:

— nada de mais grave aconteceria antes da posse, portanto tínhamos dois meses para nos preparar;

— o novo governo tentará atuar dentro da ordem constitucional por algum tempo e só depois de fracassar é que as soluções extralegais vão começar a ser cogitadas;

—os identitários da periferia e dos grotões, devido à pouca visibilidade na mídia do que por lá acontece, vão correr perigo desde o dia 1º de janeiro, pois turbas alimentadas com ódio não se detêm apenas porque seu mito ganhou a eleição (tendem, isto sim, a crer que poderão tocar o terror impunemente).

Desde então, as perspectivas foram se aclarando e já se pode ir além:

— a tentativa de subjugarem a universidade e imporem limites obscurantistas ao pensamento, à arte e à cultura já começou, com a guerra cultural tendendo a ser das mais acirradas;

— estudantes, intelectuais e artistas são os que mais rapidamente estão se organizando para resistirem ao macartismo à brasileira;

— a sociedade civil, afastado o espantalho do lulismo, tende a unir-se em peso contra o retrocesso político e cultural;

— o STF afirmou sua independência ao impedir as blitze intimidatórias contra o ensino superior e o estupro da autonomia universitária (seu novo desafio deverá ser o de frustrar em definitivo as tentativas ilegais de entrega à Itália do escritor Cesare Battisti, residente legal no Brasil (conforme explico aqui); e

—  os indícios provenientes dos bastidores da caserna nos dão a perceber que as Forças Armadas são avessas à ideia de extrapolarem seu papel constitucional, não se dispondo, pelo menos no momento, a endossar aventuras extemporâneas.

O certo é que o novo governo terá sofrido enorme desgaste prévio ao ser empossado, pois a montagem do ministério está sendo algo entre um pandemônio, um samba do crioulo doido e uma comédia de pastelão.

Na última categoria, destaque para o diplomata praticamente desconhecido que criou há dois meses um blog reafirmando com linguajar pernóstico todas as idiossincrasias ultradireitistas de Bolsonaro –a ponto de ser chamado pelo grande Clóvis Rossi de um “cabo Daciolo com alguns livros a mais”– e conseguiu, apoiado por Olavo de Carvalho, dar um chapéu nos maiorais do Itamaraty, que agora prometem despejar um caminhão de melancias em cima dele.

E o incrível governo Brancaleone em gestação terá de convencer o Congresso Nacional a aprovar medidas muito impopulares, a reforma da Previdência em primeiro lugar.

Tanto na Câmara quanto no Senado, precisará da anuência de três quintos dos parlamentares. Como a conseguirá? Tem tantos cargos assim para distribuir? Vai recorrer aos velhos esquemas de corrupção que prometeu combater?

O certo é que deputadores e senadores precisarão de alguma motivação muito especial para colocarem suas reeleições em perigo, pois sabem muito bem que as listas dos responsáveis por uma eventual vitória do governo infestarão a internet nos próximos pleitos.

Se não conseguir entregar o que os donos do Brasil dele exigem, o novo governo perderá seu maior sustentáculo. E aí chegaríamos a um cenário futuro que neste momento me parece ser o mais provável: o de um presidente tolhido pelo Congresso e pelo Supremo, tentando romper o impasse mediante um autogolpe.

Talvez até em agosto de 2019, para seguir fielmente os passos de Jânio Quadros, o antecessor com quem Jair Bolsonaro mais se parece, em tudo e por tudo.