Artigo de Pedro Novaes: 'Liberação das drogas'
As drogas constituem um colossal desafio às sociedades humanas.
Diversas medidas têm sido adotadas mundo afora, e a maioria delas tende à liberação do consumo e severa penalização do tráfico. Alguns países condenam à morte os traficantes.
Sou usuário consciente e voluntário de uma droga, o cigarro, e ouvinte obrigatório de uma droga maior, os programas televisivos dos partidos políticos. Não bebo, e quando o faço, por imperativo social, limito-me à ingestão de água ou um suco qualquer, desde que não seja de jaca.
Não tenho uma boa lembrança dos tempos em que, adolescente, para combinar com o ambiente de festa, ingeria algumas doses de bebidas alcoólicas. A consequência era terrível, e acordava tendo uma leve lembrança de haver pedido alguém em casamento. Era dificílimo desfazer o mal entendido do pedido, até que acabei casando, pois ela também tentava desfazer o mal entendido da pronta aceitação.
Intimidades superadas, convém lembrar que o Brasil já adotou a criminalização do tráfico, mas ainda não decidiu o que fazer com o usuário. Só usuários de crack, tabaco e álcool são beneficiados.
A única limitação, ao crack e tabaco, é a proibição da propaganda. Usuários de crack, quando miseráveis, sempre infelizes, drogam-se à luz do dia, não raros constituindo hordas que mais parecem grupos zumbis.
O álcool, consumido intensamente por adolescentes, apesar da proibição legal, é uma droga social, reinando no seio das famílias e figurando como arauto da alegria em insistentes comerciais. É a droga mais nefasta, causando incontáveis mortes no trânsito, desagregação e violência familiar, cirroses, desempregos, etc.
Contudo, o álcool pode ser consumido como uma inocente taça de vinho, ou uma latinha de cerveja na praia ou churrasco. Só é proibida, de fato, para motoristas ao volante. Na verdade, apesar dos ditos em contrário, é o álcool a porta de entrada para o consumo de outras drogas.
Existem pensadores, muitos, que consideram o tráfico de drogas o maior sumidouro de recursos públicos, pois nenhum governo conseguiu exterminá-lo. Descobertas e apreensões incomodam, mas não aniquilam, e o tráfico continua lotando prisões e conduzindo usuários às penumbras criminosas dos pontos de venda.
Para tais pensadores, o consumo de drogas deveria ser liberado, integrando o rol de opções individuais, sob o olhar atento e controle do Estado. Segundo eles, as drogas prejudicariam mais o usuário, e menos a sociedade, como atualmente, pois as estruturas e agentes públicos são permanentemente apodrecidas pelo tráfico, e fortunas são gastas, sem o esperado sucesso. A proibição tem feito tornar cada vez mais próspero o tráfico, e menos eficiente a educação.
No Brasil, ainda não diferenciamos usuário de traficantes, e o enquadramento quantitativo inexiste. Quem decide se o cidadão será aprisionado como usuário ou traficante é a polícia, com as injustiças e erros de sempre.
A questão encontra-se sob análise do STF, que deverá definir os componentes constitucionais do tema. O país está à espera de tal esclarecimento.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.