Artigo de Pedro Novaes: 'Calçadas'
CALÇADAS
Pedro Israel Novaes de Almeida
Nossas selvas urbanas sempre privilegiaram o trânsito de veículos.
Ciclistas e pedestres sempre figuraram como clandestinos, atrapalhando a fluidez de carros e motos. Com repentes e tiques vanguardistas, alguns municípios resolveram endeusar as bicicletas, e em alguns locais o conforto e segurança dos ciclistas argumentou intervenções absurdas, verdadeiras afrontas ao ir, vir e permanecer de motoristas e, como sempre, dos desconsiderados pedestres.
As calçadas brasileiras, em regra, servem a uma infinidade de funções, inclusive e de vez em quando ao trânsito de pedestres. Guardam tijolos, telhas, areia e espaços para o preparo da massa para reboco.
Defronte a estabelecimentos comerciais, são utilizadas como estacionamento ou mostruário de mercadorias, além da permanência de vendedores que incitam a entrada no comércio. Lanchonetes e restaurantes aproveitam as calçadas para proporcionar um come e bebe ao ar livre, deixando um corredor indiano para que os pedestres passem pela europeia cena.
Árvores, com troncos enormes, ocupam meia calçada, disputando o lugar com ambulantes que não ambulam, pontos de ônibus, caixas de energia, terminais de água, porta-lixos e tudo o que couber, parado.
As calçadas servem para que o proprietário de cão furioso passeie, sem qualquer instrumento de contenção do animalzinho. Ao perceber que algum pedestre demonstra temor ao cruzamento, o cidadão, solicito e educado, tenta acalmar o transeunte: – Fique tranquilo, ele nunca mordeu alguém de minha família.
As passarelas, calçadas aéreas, são imediatamente edificadas, sempre que o número de atropelamentos ultrapassa 1.000, e os moradores param a via, incendiando móveis, pneus velhos e boletos bancários. Costumam simplificar a vida do pedestre, estando localizadas a 5 km uma da outra.
Ser pedestre é uma atividade de risco, com periculosidade não reconhecida para efeitos de aposentadoria. O Brasil figura como um dos campeões, na estatística mundial de atropelamentos.
As calçadas que ainda não foram transformadas em ciclovias ou pontos comerciais são, em regra, repleta de buracos, declividades e impedimentos físicos. Moradores chegam a construir verdadeiros muros, para facilitar a entrada de veículos.
Proprietários, não raro, consideram a calçada uma extensão do domicílio, podendo lavá-lo com fortes jatos de água, expulsando os mais ousados pedestres. Quando algum pobre resolve parar para descansar, a polícia é chamada, para solucionar a atitude suspeita.
Calçadas constituem responsabilidade, construção e manutenção, de proprietários fronteiriços. Tal responsabilidade raramente é lembrada e cobrada, por prefeituras.
São raros o municípios que padronizam calçadas, podendo o proprietário, se quiser, nelas inscrever o símbolo do Corinthians ou da seleção argentina. Alguns municípios proíbem o plantio de espécies vegetais com espinhos, tipo Coroa de Cristo.
Portadores de necessidades especiais, mulheres com carrinho de bebê, escolares e idosos, são as vítimas preferenciais do descalabro de nossas calçadas. É um dos tantos desrespeitos que ocorrem, impunes, por aí.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.