Celso Lungaretti: 'A História não acabou nem acabará até que tenhamos chegado ao ponto final da nossa evolução'

Celso Lungaretti

RETROCESSOS HISTÓRICOS NÃO DURAM MUITO; CIRCOS DE HORRORES PASSAM E A MARCHA PARA A CIVILIZAÇÃO PROSSEGUE

“O Brasil passa pelo pior retrocesso histórico desde 64”

Uma velha tese marxista é a da alternância de fluxos e refluxos revolucionários.

O ascenso atinge um ponto máximo e, se a revolução não ocorre, sobrevém um período de pasmaceira e recuo, quando somos obrigados a nos manter em defensiva estratégica, acumulando forças para a onda seguinte.

Isto me parecia mais uma bela teoria do que algo real, até vê-lo acontecer no Brasil.

Houve um avanço impressionante, teórico e prático, ao longo de 1968, quando passamos a ter total clareza sobre o inimigo e sobre como tínhamos  de agir contra ele.

A correlação de forças, entretanto, nos era adversa demais. Não havia como vencermos.

Pior: fomos à luta com o que tínhamos de melhor, expondo quadros formados ao longo de décadas; e perdemos boa parte deles.

Então, disse-me um velho amigo sergipano, o que sobrou para reorganizar a esquerda foi a raspa do fundo do tacho.

Lamarca preferiu morrer com combatente

Eu não iria tão longe, mas era gritante a diferença qualitativa entre muitos dos companheiros tombados e parte dos que ascenderam depois do dilúvio.

Até porque alguns destes últimos eram os que haviam optado pela autopreservação naquele momento no qual os que tinham espírito de verdadeiros revolucionários não conseguiam ver-se a si mesmos fora da luta, por mais perigosa, até suicida, que ela se revelasse.

[ou alguém acredita que o comandante Carlos Lamarca, ao resistir aos insistentes apelos dos companheiros para que se pusesse a salvo no exterior, tenha perseverado por ainda acreditar na existência de chances de vitória naquele devastador ano de 1971?]

Até hoje a esquerda sofre com essas perdas. Até hoje não atingiu de novo os marcos então alcançados.

O que explica a posterior adesão a posições tão anacrônicas e desastrosas como:

— o apoio a ditadores sanguinários, na suposição de que seriam mal menor face ao imperialismo ianque (aos panfletários que utilizam tal expressão deve ter escapado o pequeno detalhe de que a guerra civil estadunidense terminou em 1865…), sem levar em conta que a desmoralização ao associarmos nossa imagem a tais abominações excede infinitamente os ganhos geopolíticos alegados – e não comprovados;

— o apoio a estados teocráticos, que faria Marx surtar se ainda estivesse vivo, pois o velho barbudo passou a vida inteira tentando alavancar a marcha da civilização para estágios mais avançados de desenvolvimento, nunca a volta a um passado obscurantista (e não há obscurantismo mais nefasto do que o fanatismo religioso!);

“O combate à corrupção é bandeira da direita”

— o combate à corrupção, que, como Paulo Francis já dizia nos tempos d’O Pasquim, é bandeira da direita, pois desmoraliza a política e políticos como um todo, tornando o povo descrente da possibilidade de mudar seu destino, além de levar água para o moinho dos golpistas de direita;

— a bandeira do combate à privatização, como se empresas e órgãos públicos, sob o Estado atual, já não estivessem sob o controle indireto dos capitalistas, e como se fizesse grande diferença tal controle ser direto ou indireto; e

— a desistência de organizar o povo para uma transformação em profundidade da sociedade brasileira, preferindo apostar em pequenas melhoras sob o capitalismo, obtidas pela via eleitoral, sob estrita obediência aos valores republicanos.

Cada vez que tocava num destes pontos, defendendo posições que no segundo semestre de 1968  já nem mais se discutiam de tão axiomáticas se haviam tornado, eu era alvo de algumas críticas civilizadas e de muitas desqualificações primárias por parte de cidadãos que perderam ou jamais adquiriram o hábito de discutir cordialmente com outros expoentes do seu campo, acabando por se mostrarem mais virulentos contra os ditos cujos do que contra o próprio inimigo.

Mesmo assim, nestes dias em que o Brasil passa por seu pior retrocesso civilizatório desde o golpe de 1964 (e no qual, por infeliz coincidência, eu vejo ruir mais uma vez meu castelo de cartas pessoal), só uma coisa é certa: perseverarei até o fim com minhas heresias., convicto de estar expressando os valores e posturas do ápice da última onda revolucionária, que serão o ponto de partida da próxima.

Breves recuos não detêm marcha da História

As fases de refluxo podem até durar algumas décadas mas têm fim, pois a humanidade acaba sempre retomando sua caminhada para a frente.

Então, como Marx e Engels vislumbraram ainda no século 19, a História não acabou nem acabará até que tenhamos chegado ao ponto final de nossa evolução: o reino da liberdade, para além da necessidade, sem classes, sem estados, sem fronteiras, tendo a concretização do bem comum como prioridade máxima de nossas existências. (Celso Lungaretti)

CHANCE DE ADQUIRIR O “NÁUFRAGO DA UTOPIA” DANDO UMA FORÇA PARA O AUTOR

Quando me estava sendo difícil alugar algum cantinho para morar com as limitações financeiras atuais, um companheiro sugeriu que pusesse à venda exemplares autografados do Náufrago da Utopia (Geração Editorial, 2005, 304 p.). Agradeci a dica, mas respondi que me restavam só dois exemplares, o que inviabilizava a proposta.

No entanto, no processo da mudança encontrei alguns mais no fundo do baú: ainda conservo uma dezena, dos que recebi da editora como último pagamento de direitos autorais.

Hoje é um livro dificilmente encontrável em livrarias e, pelo menos por enquanto, não está prevista uma 2ª edição. Mas, claro, continua sendo fácil de achar nos sebos e o site da Estante Virtual oferece 61 opções neste exato instante.

Peço aos eventuais interessados que depositem R$ 70 na seguinte conta corrente da Caixa Econômica Federal: agência 2139 — tipo 001 — c/c 00020035-2 —  em nome de Celso Lungaretti (CPF 755982728-49)

E me comuniquem pelos e-mails lungaretti@gmail.com e lungaretti@uol.com.br (é melhor mandarem para ambos, assim um, pelo menos, chegará…), especificando qual será o nome para a dedicatória e o endereço para a remessa.

E do que trata o livro, afinal? Para os que não conhecem, é a história, rigorosamente real mas contada com as ferramentas da ficção (como uma novela cuja ação transcorre no presente e não como uma abordagem teórica de um passado distante), da trajetória de um grupo de oito jovens estudantes que:

  • constituiu-se a partir de 1967;
  • ergueu o movimento secundarista na zona leste paulistana ao longo de 1968;
  • ingressou da noite para o dia na Vanguarda Popular Revolucionária após a assinatura do AI-5; e
  • sofreu as consequências de sua opção precoce: dois assassinados, cinco presos e muito torturados, uma que passou incólume mas ficou paranoica.

E, depois, quando nossos destinos nos conduziram em direções diferentes, minha descida pessoal ao inferno, as dificuldades em que me debati até escapar de uma armadilha da História e como isto só acabaria ocorrendo no presente século, mais de três décadas depois.

Celso Lungaretti