Sergio Diniz da Costa: 'O jurista e o carvalho': Uma singela homenagem ao eterno Mestre Dr. Darcy Arruda Miranda
“Mas, o notável jurista não se revestia apenas de determinação, um dos primeiros atributos que deve possuir o profissional do direito; revestia-se, igualmente, da sensibilidade, como orador e homem de ação.”
“Carvalho centenário é derrubado no Hospital Albert Einstein!”
Uma notícia como esta implicaria surpresa, indignação e imediatas providências de qualquer ong (organização não governamental) voltada para a preservação do meio ambiente, no sentido de se saber o porquê de tão desvairado ato.
Não se trata, porém, de uma notícia verdadeira. A seção ‘Necrologia’, do jornal Cruzeiro do Sul, estampou, no dia 15.08.2001, a seguinte notícia: “Morre aos 97 anos Darcy Arruda Miranda”.
Os ambientalistas podem, assim, respirar aliviados. No meio jurídico, ao contrário, certamente abateu-se profunda consternação. O fato, contudo, não causou surpresa, indignação ou providências urgentes contra quem quer seja.
Os profissionais do Direito que, em algum momento compartilharam a luz do longevo mestre, sabiam que, um dia, na conhecida e segura paisagem da docência e das letras jurídicas, não mais ver-se-ia a imponente Árvore do Saber, com seus imensos ramos espraiando doutrina e jurisprudência.
Darcy Arruda Miranda era filho da amável terra de Lençóis Paulista, onde nasceu, em 1904. Em 1922, bacharelou-se em Odontologia; em 1932, participou, como voluntário, da Revolução Paulista. Em 1938, concluiu o curso de Direito, pela Faculdade do Largo São Francisco. Em 1947, ingressou na magistratura paulista, vindo a se aposentar em 1966, como juiz do Tribunal de alçada. No magistério superior, na cadeira de direito Civil, lecionou por quase quatro décadas.
Jurista das mais altas esferas do saber jurídico, publicou obras de consulta obrigatória, dentre as quais se destacam: ‘Anotações ao Código Civil’, ‘A Lei do Divórcio Interpretada’, ‘Dos Abusos da Liberdade de Imprensa’, ‘comentários à Lei de Imprensa’, além de um ‘Repertório de Jurisprudência do Processo Penal’. E, conforme noticiado por este jornal, preparava-se para ultimar uma obra sobre a história do Direito deste a Antiguidade.
Das fibras de determinação de que era feito o inolvidável mestre, tive certeza, nos idos de 1984, quando, numa conversa informal, confidenciou-me que, já casado e com filhos, e exercendo a Odontologia, tinha por únicos momentos de dedicação ao estudo do direito aqueles destinados ao trajeto, de trem, de Lençóis Paulista a São Paulo.
Mas, o notável jurista não se revestia apenas de determinação, um dos primeiros atributos que deve possuir o profissional do direito; revestia-se, igualmente, da sensibilidade, como orador e homem de ação. Mestre do verbo, sabia, como o disse o emérito professor da Faculdade de Direito de São Carlos, Euzébio Rocha, que, “A eloquência pode ser como a chuva que fecunda a terra ou como a enxurrada que a inunda e destrói. Tudo o que precisamos é a coragem e a determinação de transformar, pelas palavras sábias e precisas, os impulsos egoístas e agressivos, vencendo-os, para construir uma sociedade justa e distributiva”. (1)
Justo nas causas, também sabia, fazendo mais uma vez coro com Euzébio Rocha, que, “(…) o que dá força irresistível e perene à eloquência é a defesa dos grandes, genuínos e ilimitados valores da humanidade. A liberdade é como o ar, sem o qual se morre, e a justiça social é como o alimento, sem o qual não se vive”. (2)
A mesma sensibilidade eloquente ao falar, tinha-o em verter versos. De sua coletânea de poesias, ‘Meus Devaneios Poéticos’, transformada em livro pelos filhos, ofereceu-me um exemplar, do qual extraio a poesia ‘Horas de Introspecção’, escrita em 1938:
“Quem me vê, tanta vez, o cenho carregado/ A cabeça pendida, e o olhar atento e mudo,/ fixo num ponto só sobre a minha secretária,/Sobre um livro aberto onde os meus olhos pousam,/ Podem julgar talvez que eu procure no estudo,/ No aforçurado(3) extenuar do pensamento,/ Encontrar a verdade máxima da vida./ Ou mesmo a incógnita das ciências./ Entretanto,/ erradamente anda quem assim supõe./ O livro aberto sobre a minha secretária,/ Livro pleno de luz, de ensinamentos,/ Raramente eu leio./ e raramente eu viro uma folha sequer./ é que o meu pensamento investigar não busca/ Os mistérios da vida./ nem tenta compreender os dédalos(4) da ciência,/ Ou a essência primeira e eterna do universo./ O que eu procuro em vão, nas horas de silêncio,/ Nessas cismas tão longas e profundas,/ Nessa postura de leitor atento, e assíduo e instante,/ É apenas descobrir uma verdade simples,/ Que se me oculta à luz do raciocínio./ Isso que eu tenho em vão buscado/ Nas horas quietas de introspecção,/ É tão-somente conhecer dentro em mim mesmo,/ O indecifrável, rúbido(5) mistério,/ Do meu próprio coração.”
Restou uma cátedra vazia. E, na paisagem do Direito, já não se vê mais o vetusto carvalho. Mas, se a vida entendeu por retirar o portentoso tronco, porque as intempéries o fustigaram tão intensamente, impedindo-o de florescer mais uma vez, deixou, na Terra do Conhecimento, a raiz e as sementes do bem, do advogado combativo, do justo magistrado, do eterno Mestre!
- Introdução à obra de João Meireles Camara, Técnicas de oratória forense e parlamentar, p. 11.
- mesma p.
- Que está apressado, esbaforido.
- Emaranhado de caminhos; labirinto.
- Vermelho escuro.
(Publicado no jornal Cruzeiro do Sul, edição de 31.08.2001, pág. A-2).
Obs.: Darcy Arruda Miranda foi tio do editor do ROL Helio Rubens de Arruda e Miranda. Por meio do tio e Mestre, homenageio, também, o fraterno amigo!
Sergio Diniz da Costa – jornalculturalrol@gmail.com
Eleito nas categorias ‘Melhor Cerimonialista’, ‘Melhor Apresentador de Shows e Eventos’ e ‘Melhor Revisor de Livros’, na enquete Melhores do Ano 2018 em Sorocaba na Área Cultural’, do Jornal Cultural ROL.