Pedro Novaes: 'Rotinas desvalorizadas'
ROTINAS DESVALORIZADAS
No interior mineiro, famílias vivem em sobressalto, reféns do acionamento de sirenes instaladas em alguma barragem próxima.
O minério rendeu divisas ao país, empregou multidões e promoveu o desenvolvimento das regiões à jusante. Enquanto as benesses da atividade eram recitadas, insistentemente comemoradas, a imprevidência humana cuidou de aparelhar riscos capazes de colocar em dúvida se terá compensado tamanho sucesso econômico.
Em nome de uma fugaz comodidade, persistimos abarrotando terra, mar e ar de resíduos plásticos, e basta a aquisição de uma caixinha de fósforo para ter o direito de receber uma sacola plástica. O canudinho ornamenta e embala o consumo de um líquido qualquer.
A indústria de reciclagem opera benemérita, em grande parte assentada na pouco articulada e majoritariamente voluntária atividade de coleta. A população, e governos, ainda enxergam como favor a disponibilização separada de recicláveis.
As estruturas voltadas à saúde fazem das tripas coração, tentando o milagre de manter sadias populações que sequer contam com saneamento básico. Campanhas de vacinação não conseguem atrair multidões, e a falta de CPF causa mais incômodos que não prevenir doenças em filhos.
A índios, já civilizados, é desestimulada a atividade econômica, embora suportado o vandalismo e abuso como formas de reivindicação. Proteger culturas não significa manter intactas posturas sabidamente selvagens, incompatíveis com qualquer convivência pacífica.
As escolas ensinam o amor e cuidado com os animais, mas os alunos podem, em algum recinto próximo, presenciar as festivas torturas e judiações, em rodeios tão milionários quanto perversos. Não faltam vozes, de quem nunca mugiu ou galopou, alardeando ser inofensiva a barbárie.
Nossos políticos são eloquentes e festivos, em comemorações e obras inaugurais, mas majoritariamente omissos no diagnóstico e acompanhamento das rotinas que busquem a melhoria dos sistemas de produção e dia a dia das populações.
Nossa atividade parlamentar, de câmaras municipais ao senado, pouco ou nada enxerga das atividades técnicas e acautelatórias dos governos, pouco iluminadas pela mídia e alheias às disputas partidárias e ideológicas. Enquanto um vereador discursa na inauguração de uma simples lombada, outro, sempre minoritário, vai analisar-lhe o custo ao erário.
Nossa constituição privilegiou o princípio da Cautela, robustecendo a necessidade de rigorosa análise, quando da aprovação de novos procedimentos, materiais e posturas. O Estado robusteceu seu aparato de normas, análises e pessoal técnico.
Contudo, já no dia seguinte relegou à insignificância a atividade fiscalizatória e de acompanhamento. Passada a festa, o que resta é alimentos e bebidas pelo chão.
Universidades, ministérios e tantos outros nichos de estudos estão repletos de diagnósticos e sugestões. Falta quem os leia.
Pedro Israel Novaes de Almeida
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.