Celso Lungaretti e Dalton Rosado analisam a micareta deste domingo

Celso Lungaretti

A BALBÚRDIA DOMINICAL DOS FEIOS, SUJOS E MALVADOS DEU CHABU

Bolsonaro fez o de sempre: piorou o que já estava ruim.

Tentou obscurecer a imagem das belas manifestações dos estudantes contra o destruição da Educação lavada a cabo pelos sinistros ministros olavetes mas acabou por reavivá-las, o mais desfavoravelmente possível para si. Fracassou rotundamente.

As avaliações da mídia são quase todas no sentido de que a balbúrdia dominical dos feios, sujos e malvados no máximo igualou numericamente os protestos estudantis.

Mas, seu espectro era muito mais amplo e tinha o próprio presidente da República fazendo proselitismo descarado. Igualar, nessas condições, equivale a perder de goleada.

De resto:

— expôs fraturas significativas nas forças de apoio ao bolsonarismo;

— fez soar os mais estridentes alarmes no Congresso Nacional e no STF, que tendem a doravante colocar cada vez mais pedras no caminho de quem já vinha colecionando derrotas aos montes;

— impulsionou um aumento expressivo das dúvidas nos círculos decisórios (até quando o poder econômico continuará pacientemente aguardando a entrega da contrapartida que exigiu de Bolsonaro para conduzi-lo poder?); e

— reforçou a convicção, esposada por contingentes cada vez maiores de brasileiros, de que o verdadeiro objetivo desse caótico governo é golpista, na linha da fracassada tentativa de Jânio Quadros em 1961, quando tentou esvaziar os outros Poderes e acabou sendo por eles esvaziado.

O sucesso dos direitistas nas ruas durante a campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff se deveu, basicamente, à desastrosa política econômica por ela adotada, causadora de uma aguda recessão; e ao antipetismo insuflado dia e noite pela indústria cultural.


Fora Dilma! era uma palavra de ordem simples, clara e agregadora, pois vinha ao encontro de um sentimento compartilhado por muitos.

Já a micareta deste domingo atirava em direções demais (a favor da reforma da Previdência e do pacote anti-crime do Sérgio Moro; defendendo o indefensável governo do pior presidente brasileiro de todos os tempos; tentando intimidar a imprensa; atacando ministros do Supremo; hostilizando estudantes, professores, a intelligentsia como um todo e toda e qualquer manifestação de vida inteligente; satanizando o Rodrigo Maia; descendo o pau no MBL, etc.) .

Errou todos os alvos, menos o pé do Bolsonaro, que deve estar com mais furos do que uma peneira…

Há algumas semanas coloquei em questão se o homem da arminha conseguiria manter-se à testa do governo durante, pelo menos, os 200 dias que o homem da vassoura aguentou antes de despencar; foi, contudo, mais como zombaria e sarcasmo, pois não consigo levar a sério isso que está aí.

Começo agora a crer que a profecia poderá tornar-se realidade. (por Celso Lungaretti)

dalton rosado

DIMENSÃO, CONTEÚDO 

SIGNIFICADO DAS MANIFESTAÇÕES

 PRÓ-GOVERNO

Considerando-se a população das grandes capitais onde ocorreram as manifestações pró-governo, podemos afirmar que elas foram pouco expressivas. Não havia nelas o sentimento aguerrido dos atos públicos cujos participantes estejam convictos e seguros da justeza dos seus propósitos.

Havia mais gente no Maracanã para assistir ao jogo Flamengo x Atlético Paranaense (mais de 45 mil pagantes) do que na manifestação pró-governo no posto 5, em Copacabana.

Isto ocorre porque as bandeiras e práticas governistas, após quase cinco meses de desgoverno, não correspondem às expectativas criadas pelo candidato durante a campanha eleitoral.

Pode-se até considerar como razoável o número de pessoas nas manifestações Brasil afora, mas isto se deve ao fato de que algumas bandeiras calam profundo no sentimento das pessoas, como a aversão majoritária ao segmento político parlamentar e a repulsa à corrupção com o dinheiro público, alardeada por tudo e por todos como a causa primária da miséria social (o que é algo profundamente equivocado, embora ela seja mesmo repulsiva).

O bolsonarismo termina chamuscado na sua pretensão de comprovar a existência de apoio popular ao seu projeto de governo absolutista a partir da ligação direta com as ruas, atropelando as instituições (judiciário e legislativo).

Para tanto, seriam necessários muitos milhões de pessoas a clamarem pelo autoritarismo, permeando um sentimento social majoritário conservador (que não existe); e, mesmo assim, tal iniciativa se configuraria como uma estratégia profundamente temerária.

Há um núcleo duro bolsonarista norteando ideologicamente as ações de governo. Ele considera que o que foi bom para vencer as eleições pode ser bom para estabelecer no Brasil um governo autocrático, à imagem e semelhança do que está a ocorrer em alguns países mundo afora (a Turquia é um dos muitos exemplos admirados por essa turba).

Este é um equívoco estratégico sério e que pode encurtar a trajetória governamental do presidente eleito, pois se constata uma flagrante perda de consistência do apoio popular de que ele desfrutava antes da posse (note-se que recebeu o voto de apenas 39,3% do total de eleitores).

Hoje, a bandeira mais presente nas manifestações bolsonaristas já não é mais o petismo como causa das nossas dificuldades (até porque tal argumento não mais corresponde à polaridade política e o PT já está há três anos fora do poder), mas o preconceito anti-política convencional e anti-parlamento, tidos por tais simplistas como fator impeditivo da governabilidade, discurso que assumiu o protagonismo das desculpas governistas para o fracasso inicial evidente.

Entretanto, o governo já se apercebeu do perigo que significa optar pela via do autogolpe institucional num país com as características do Brasil, que, apesar de periférico do capitalismo no que diz respeito aos seus indicadores econômico-sociais, tem grande importância no concerto mundial  por ser a oitava economia do mundo, num território continental  e com uma população de mais de 200 milhões de habitantes.

O recuo ao apoio às manifestações pelo presidente e seus ministros, além de segmentos de direita como o Movimento Brasil Livre, demonstra o receio existente com relação à defesa de um autogolpe. O culto evangélico com a presença e pronunciamento do presidente, tendo ao fundo a bandeira brasileira, é bem uma demonstração do apoio cauteloso e sob disfarce às manifestações que ocorriam naquele exato momento.

Como já afirmei neste artigo, o Brasil não é para principiantes. Por mais que o capitão presidente Boçalnaro, o ignaro, seja despreparado para o cargo, há muitos oportunistas bem informados ao seu derredor que farejam os riscos de um autogolpe, percebendo que uma aventura destas poria tudo a perder (para eles, os áulicos do poder).

Agora, o que já era ruim para o governo piorou. O segmento parlamentar cutucado com vara curta pelas manifestações pouco expressivas e incitadas pelos bolsonaristas, tende a retaliar as ofensas recebidas; deverão aumentar as dificuldades para a aprovação de medidas claramente impopulares, ditadas pela debacle do capitalismo e do seu Estado falimentar.

Entendo que, aos poucos e aos trancos e barrancos, vai caindo para o povo a ficha do que está ocorrendo socialmente, pois entra governo, sai governo e as coisas só pioram no Brasil. O cidadão comum, mesmo sem ter uma noção mais precisa da causa motriz dos seus problemas, começa a compreender que há algo de mais profundo como substrato da miséria social que se aprofunda:

— se o segmento político deve ser superado, isso não significa que deva ser substituído pelo autoritarismo truculento de governos messiânicos capitalistas liberais;

— se a corrupção com o dinheiro público deve ser combatida, isso apenas quer dizer que deveremos superar tanto o dinheiro público como seus administradores corruptos, aí incluído o Estado que cobra os impostos extorsivos (os quais serão inevitavelmente garfados, em parte, pelos políticos) de uma população economicamente exaurida.

Pari passu às manifestações pouco expressivas e com as bandeiras socialmente reduzidas como as deste domingo, vemos uma grita geral de vários segmentos sociais expressivos que estão sendo diretamente atingidos pela falência do capitalismo e do seu Estado — cujas mazelas estão se acentuado à medida que o atual governo é desprovido norte referencial eficaz, além de idiossincrásico e desconexo.

Comparativamente, as manifestações estudantis por uma questão específica como o corte das verbas para a educação corresponderam a uma goleada de 10×0 sobre as manifestações dos bolsonaristas ainda recalcitrantes e cada vez em menor número. (por Dalton Rosado)