Fábio Ávila: 'Recife: Patrimônio Despedaçado'

Fabio Ávila

Recife: Patrimônio Despedaçado

Encontro-me na Boa Vista, bairro que guarda ainda os semblantes de casarões antigos cujas fachadas estão deterioradas e os janelões, como olhos atentos, as frondosas portas mudas e solitárias, parecem derramar lágrimas e engolir o soluço pelo descaso dos habitantes e dos péssimos gestores que esbanjam desprezo pelo passado glorioso de antanho, da outrora terra do grande abolicionista, ser culto e humano, o imortal Joaquim Nabuco.

Estou imerso no terceiro mundo latente e pulsante, latejante, onde as paredes seculares das edificações outrora nobres clamam por socorro. O cenário é tristemente esplendoroso. Encontro-me alojado em um pequeno quarto ”chambre de bonne” de um apartamento cuja área de serviço foi transformada em local para hóspedes de passagem que buscam hospedar-se a preços acessíveis e para pessoas que têm sensibilidade à flor da pele para mergulhar no Brasil profundo, no Brasilzão longe das lojas de grife, dos centros comerciais destinados a bestializar os incautos e ignorantes os quais não percebem a forma vil e violenta do desrespeito à história da cidade.

Recife sofre e perde a sua alma. Esvai-se a sua alma, seu passado e suas características histórico-culturais e arquitetônicas estão massacradas pelo desprezo que os pernambucanos têm por sua Capital que já foi a mais elegante das cidades do nordeste brasileiro.

Recife agoniza. O bairro Boa Vista perdeu de vista a sua beleza. Entretanto, o vento soprado acariciava meus cabelos e penetrava o meu cérebro. As nuvens volumosas prenunciavam a chegada momentânea de mangas de chuva cujas águas estariam repelidas pelo asfalto desconexo e pelas calçadas mal cimentadas, esburacadas, que não permitem a absorção das águas celestes e, desta forma, amaldiçoando a população recifense.

Sinto que meu cérebro, minhas energias e minhas percepções transbordam e levam-me à consciência da multiplicidade de minhas buscas. Como contribuir para frear a fúria destruidora dos incautos, incultos e incompetentes habitantes do Recife?

Isolado de todos e de tudo o que me rodeia no cotidiano, sem interferências externas, sinto novamente a emoção à flor da pele e a pele com seus pelos eriçados pela triste emoção de encontrar-me na descosturada Recife e seu patrimônio despedaçado.

Do pequeno bar Santa Cruz que ostenta em uma placa os seus 45 anos de existência, percebo o Largo da Cruz e a Igreja da Santa Cruz. Cruz credo, estão destruindo o nosso Recife.

Malditos sejam!!!