Artigo de Celso Lungaretti:'Ditadores não merecem lágrimas'

EXÍMIO EQUILIBRISTA, GETÚLIO VARGAS MANTEVE SUA DITADURA POR 15 ANOS, APOIANDO-SE NA DIREITA CONTRA A ESQUERDA E VICE-VERSA

GETÚLIO VARGAS

DITADORES NÃO MERECEM LÁGRIMAS 

Celso Lungaretti, no blogue Náufrago da Utopia

No dia 24 de agosto de 1954, aos 72 anos de idade, o presidente Getúlio Dornelles Vargas se matou com um tiro no coração, após uma tensa reunião com seu ministério, quando teve de assumir o compromisso de licenciar-se do cargo.

Suficientemente perspicaz para saber que era apenas uma fórmula para dourar a pílula de seu definitivo afastamento, preferiu uma saída digna. Como os hermanos diriam, ao menos cojones ele tinha…

Sendo os mandatários bananas uma expressiva maioria nestes tristes trópicos, não há como deixarmos de admirar a coragem de Vargas e Allende, embora o segundo tivesse muitos outros méritos e o camaleão gaúcho, quase que apenas o de ter sacrificado a vida para assestar um último golpe nos seus inimigos, a famosa carta-testamento que acabou abortando os planos da UDN para assenhorar-se do poder sem eleição nenhuma.

Na maré autoritária subsequente à 1ª guerra mundial e à aguda crise econômica que varreu o mundo na década de 1920, Vargas topou encabeçar um golpe de estado e tornar-se ditador do Brasil a partir de 1930. Exímio equilibrista, manteve-se no poder durante 15 anos, apoiando-se na esquerda contra a direita e vice-versa, ao sabor das circunstâncias.

Como um Napoleão Bonaparte em miniatura, ficava no centro e manobrava com as extremas, não hesitando em afundá-las para manter-se à tona. Foi o que fez com os integralistas de Plínio Salgado, apesar das evidentes afinidades ideológicas que tinha com eles.

Suas mais sinceras simpatias, assim como as dos principais militares golpistas de 1930, iam para o fascismo de Mussolini, do qual Vargas copiou descaradamente a legislação trabalhista. E, na repressão aos comunistas depois da fracassada Intentona, deu carta branca ao carrasco Filinto faltou-alguém-em-Nuremberg Muller para desencadear um verdadeiro festival de horrores, trailer do que os militares nos imporiam nos anos de chumbo.

Também como equilibrista, ele optou por fazer o contrário do que gostaria, alinhando o Brasil com os Estados Unidos na 2ª guerra mundial; curvou-se à evidência do fato de que o nosso país era um quintal dos EUA. E usou o limão para fazer limonada, arrancando algumas concessões do grande irmão do Norte e obtendo algumas vantagens econômicas.

Mesmo assim, terminado o conflito, os estadunidenses moveram os fios nos bastidores para que sua ditadura fosse deposta por um espécime raro em nossa fauna: um golpe militar redemocratizador.

Continuou influente, fazendo eleger o poste Eurico Gaspar Dutra para tomar conta da cadeira presidencial e retornando depois ao Palácio do Catete pelo voto popular.

A mágoa com os EUA foi determinante na posição nacionalista-estatista que assumiu desde a campanha presidencial, contando com o apoio aberrante do PCB (algo assim como nossa esquerda apoiar o Médici, caso ele tivesse sido apeado do poder e depois pedisse votos colocando uma pele verde-amarela sobre os pelos escuros de lobo…).

Acabou sendo levado à beira do abismo consequência de uma lambança do aloprado Gregório Fortunato e do famoso mar de lama no qual seu governo, segundo os opositores, teria se transformado.

O verso do poeta-compositor Peter Sinfield cai como uma luva para ele: “confusão será meu epitáfio”.

Teve muitas vezes como aliados aqueles que o destruiriam.

Não passou de um conservador e direitista, cujo fim, paradoxalmente, foi precipitado pelas tramoias dos seus iguais.

Pilotou uma ditadura durante 15 anos e acabou recebendo o golpe fatal das mãos de aspirantes a ditadores.

Massacrou a esquerda e foi velado pela esquerda.

GETÚLIO VARGAS

RECEITA CASEIRA PARA UMA DOCE DITADURA

Por Apollo Natali

Que Hitler, que Mussolini, que Franco, que Salazar, que 64, que nada!

Amargos os ingredientes dessas ditaduras.

Doce a ditadura tupiniquim de Getúlio Vargas, genial mestre cuca, ideólogo de um saborosa receita ditatorial caseira a provocar salivação ainda hoje, mais de meio século depois.

Ainda há apaixonados por Getúlio. O seu grande segredo foi a utilização de condimentos tipicamente nacionais. Fez-se populista com o tempero das raízes brasileiras. Trabalhou o Brasil de acordo com as suas características, colocando a ferver as ervas de nossa herança escravagista, de interação senhor-escravo, de relações de domínio sobre a pessoa.

Sabia que tinha todas as condições de se credenciar como um grande pai para o povo. A interessante Escola de Frankfurt, estudiosa sistemática do comportamento humano, dava-lhe resposta à crucial indagação do porquê as pessoas não querem ser livres. Os espertinhos investidos de um governo absoluto conhecem bem o medo à liberdade inerente ao ser humano. Muitos de nós apegamo-nos à cômoda taboa de salvação: qualquer querido ditador.

Com seu ar bonachão, o querido do nosso caso impregnou a atmosfera com perfume paternalista. Magnetizava o povo nomeando-o, em seus discursos, de “trabalhadores do Brasil”. E também de “brasileiros e brasileiras”.

As louças e talheres de sua propaganda ideológica como elemento de manipulação do comportamento social eram o cinema, o rádio, a imprensa escrita, farto material didático a invadir cabeças infantis, a moeda de menor valor da época circulando com sua esfinge nas mãos de milhões de súditos, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro devidamente estatizada. Prestigiou artistas populares, que cantavam aberrações ditatoriais em suas marchinhas de aparência inocente. O brasileiro é um povo musical.

E a grande cozinha caseira se valia do fatídico DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, vassalo fiel do indivíduo investido de uma autoridade absoluta. DIP, uma inescrutável polícia política de investigações, perseguições, torturas, mortes. O fundo de toda panela ditatorial, por mais apetitosas comidas que apregoe, abriga sempre resíduos deletérios.

 

Para não dizer que não falamos do poder e autoridade absoluta de Getúlio Vargas, ele tinha no chefe de polícia Filinto Muller o seu anjo da morte. Uma amostra da receita de tortura contada por Fernando Moraes (Olga), entre outras, era o torturador enfiar na uretra do preso político um fio de ferro em brasa.

E ainda há saudosos de Getúlio. Deu-nos grandes obras, Petrobrás, Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional, Leis do Trabalho, e em troca desses melados, tomou-nos a liberdade. Assim como há saudosos de 1964. Deram-nos grandes obras, Transamazônica, Itaipu, Ponte Rio Niterói, e em troca desses açucarados, confiscaram-nos a liberdade.

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