Artigo de Marcelo Paiva Pereira: 'Arquitetura sustentável: edificando o meio ambiente'

Marcelo Paiva Pereira: ‘ARQUITETURA SUSTENTÁVEL: EDIFICANDO O MEIO AMBIENTE’

arquitetura

A arquitetura sustentável é um ramo da arquitetura e urbanismo e um novo conceito com vistas a preservar o meio ambiente natural em benefício das presentes e futuras gerações, garantindo o conforto ambiental a que todos tem direito. O presente texto, ainda que superficialmente, abordá-la-á sob os enfoques da sustentabilidade, do projeto sustentável e da permacultura.

Prólogo

Ao redor do mundo a preservação do meio ambiente natural tem sido objeto de preocupação desde o início da década de 70 do século XX, enquanto no Brasil teve início em 1991 com um projeto de lei sobre o acondicionamento, tratamento, coleta e destinação final dos resíduos hospitalares e instituições da área da saúde.

De lá para cá muitas foram as legislações elaboradas e publicadas sobre o tema, atingindo as áreas profissionais e do conhecimento, dentre as quais a arquitetura e urbanismo, uma das ciências e carreiras profissionais responsáveis pela produção de resíduos no ambiente artificial (as cidades) com efeitos danosos ao meio ambiente natural.

Em face da realidade degradante que atinge o meio ambiente (tanto natural quanto artificial) surgiu a corrente da sustentabilidade, que tem o escopo de preservar o meio ambiente à sobrevivência das espécies e da humanidade.

Da Sustentabilidade

A sustentabilidade é um conceito sistêmico, abrange as áreas social, econômica, cultural, geográfica (ou espacial) e ecológica. O complexo formado por elas é o suporte de existência da arquitetura sustentável. Seus conceitos seguem abaixo:

  1. A sustentabilidade social visa diminuir as discrepâncias entre as classes sociais, pretendendo pela maior equidade na distribuição de bens e rendas.
  2. A sustentabilidade econômica visa mensurar a eficiência (rentabilidade) econômica por toda a sociedade, pretendendo pela rentabilidade social da economia, e não apenas pela empresarial.
  3. A sustentabilidade cultural visa compor – conciliar – a cultura científica com a popular (ou vernacular), para extrair de ambas os mais adequados projetos de construção para o ambiente a que se destinam.
  4. A sustentabilidade geográfica (ou espacial) visa ao projeto, pretendendo pela compacidade (redução da área de ocupação), flexibilidade (acolhimento de mais necessidades humanas) e formalidade (deve assegurar a preservação do meio ambiente natural do local, com a criação de áreas de proteção ambiental ou proteger ecossistemas frágeis).
  5. A sustentabilidade ecológica visa criar sistemas de condicionamento ambiental e do aproveitamento de formas de energia que sejam limpas e disponíveis na natureza.

A sustentabilidade social e a econômica tem o propósito de diminuir as diferenças econômicas entre as classes sociais, medindo a rentabilidade econômica por toda a sociedade. Esta rentabilidade extrapola a rentabilidade empresarial e atinge a da sociedade, em relação às classes sociais que a constituem.

A sustentabilidade cultural, geográfica e ecológica tem o propósito de diminuir os efeitos danosos ao meio ambiente com a redução de áreas de construção, uso de materiais próprios ou próximos do local e regular (condicionar) o uso do espaço arquitetônico sem prejudicar ou, ao menos, diminuindo em muito os danos ao meio ambiente.

Os três últimos tipos de sustentabilidade são informados por princípios que orientam a formação e a execução do projeto arquitetônico. São:

  1. Princípio da Diversidade do Conhecimento Popular e de Técnicas Científicas: acolhe ambos os conhecimentos com o escopo de realizar todas as necessidades humanas. Informa a sustentabilidade cultural;
  2. Princípio da Obediência às Relações Sistêmicas entre Processos e Eventos: visa mensurar a quantidade de danos e a qualidade (nocividade) dos materiais ao meio ambiente. Informa a sustentabilidade ecológica;
  3. Princípio da Interdisciplinariedade de Equipes: visa melhorar a elaboração do projeto ou sua execução. Informa a sustentabilidade geográfica (ou espacial).

Além desses existem outros princípios, porém anteriores à Revolução Industrial (séc. XVIII), os quais informavam as condutas construtivas. São:

  1. Princípio da Adequação da Edificação ao Lugar: corresponde à atual sustentabilidade geográfica (ou espacial);
  2. Princípio da Construção em Harmonia com a Natureza: corresponde à atual sustentabilidade ecológica.

Atualmente esses princípios, anteriores à Revolução Industrial, informam as condutas humanas em relação à interação delas com o meio ambiente. A essa interação atribui-se o título – talvez romântico – de “espírito do lugar”, que traduz a essência do lugar para o conforto humano.

Referidas condutas deverão fazer uso da água, terra, fogo e ar – os quatro elementos da natureza – mensurando-os em proporções que não agridam o meio ambiente nem suprimam o conforto ambiental às pessoas. A obra arquitetônica deverá ser harmônica com o “espírito do lugar”, podendo resultar de arquitetura técnica ou vernacular, mas deverá ser sustentável.

A sustentabilidade tem por objeto o meio ambiente e por finalidade preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Suas diretrizes são:

  1. Análises preliminares: aborda os aspectos naturais, a infraestrutura, a vizinhança e a legislação;
  2. Perfil ambiental do empreendimento: aborda o programa de necessidades do empreendimento, a indicação de objetivos ambientais e o estudo da luz e dos ventos (elementos do clima).

Em relação ao estudo da luz e dos ventos, os períodos mais indicados são:

  1. Outono: 20 de março, às 07:00 hs, 11:00 hs, 15:00 hs e 18:00 hs;
  2. Inverno: 21 de junho, às 07:00 hs, 11:00 hs, 15:00 hs e 17:00 hs;
  3. Primavera: 22 de setembro, às 06:00 hs, 11:00 hs, 15:00 hs e 17:00 hs;
  4. Verão: 21 de dezembro, às 06:00 hs, 11:00 hs, 15:00 hs e 18:00 hs.

As diretrizes acima servem de pressupostos ao projeto – ou desenho – sustentável, que deverá atribuir uso racional dos recursos naturais com vistas ao conforto humano e à sustentabilidade do ambiente.

A sustentabilidade surge na área da arquitetura e urbanismo como critério de elaboração de projetos. A ética a que se propõe é a preservação do ambiente para as presentes e futuras gerações e tem por estética a qualidade (atributos apreciáveis) dos projetos em benefício da qualidade de vida das gerações presentes e futuras.

Haja vista ser a sustentabilidade um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos aspectos econômico, social e ambiental (cultural, geográfica e ecológica), a atividade sustentável deverá ser economicamente viável, socialmente justa e ecologicamente correta. É a hipótese do projeto de arquitetura e urbanismo, que assim deverá ser desenhado e executado.

Do Projeto Sustentável

O projeto sustentável deverá ter eficiência energética, sanitária e administrativa, objetivar o conforto e abordar os temas:

  1. Escolha integrada dos produtos, sistemas e processos construtivos;
  2. Respeito e adequação às condicionantes (características) locais;
  3. Minimização dos impactos ambientais (danos) no entorno;
  4. Racionalização da água e da energia;
  5. Espaços adequados à gestão dos resíduos;
  6. Canteiro de obras sustentável;
  7. Manutenção;
  8. Conforto e saúde dos usuários.

A eficiência energética está contida no projeto sustentável e depende:

  1. Da implantação: respeito e adequação às condicionantes (características) locais e minimização dos impactos ambientais (danos) no entorno;
  2. Da orientação: respeito e adequação às condicionantes (características) locais e minimização dos impactos ambientais (danos) no entorno;
  3. Dos materiais da envoltória: escolha integrada dos produtos, sistemas e processos construtivos;
  4. Dos sistemas (resfriamento/aquecimento, iluminação, hidráulica, equipamentos, etc): escolha integrada dos produtos, sistemas e processos construtivos.

O projeto sustentável também deverá apresentar soluções ativas e passivas para a eficiência energética. Elas se apresentam como abaixo seguem.

São soluções ativas (são os objetivos da eficiência energética):

  1. Redução do consumo de energia de fontes não renováveis: visa à racionalização da água e da energia, e aos espaços adequados à gestão dos resíduos;
  2. Utilização de fontes renováveis de energia: visa à racionalização da água e da energia, e à minimização dos impactos ambientais (danos) no entorno;
  3. Minimização na emissão de poluentes: visa à minimização dos impactos ambientais (danos) no entorno.

São soluções passivas as que visam reduzir a necessidade de resfriamento e iluminação natural quanto à luz, ventilação e temperatura.

A eficiência sanitária deverá abranger o esgoto sanitário, os resíduos sólidos, o abastecimento e o tratamento de água, esgoto, resíduos e rejeitos. Deverá racionalizar a gestão dos resíduos e os recursos hídricos (água de chuva, água potável, rede de esgoto, lençol freático e escoamento difuso das águas), tendo por finalidades a funcionalidade do edifício, o conforto dos ocupantes e a otimização do uso dos resíduos. A salubridade do ambiente depende da qualidade sanitária da água, do ar, dos equipamentos e das superfícies de contato com as pessoas.

A eficiência administrativa (ou gestão ambiental da manutenção) consiste num conjunto de atividades destinadas a conservar ou recuperar a capacidade funcional e o desempenho da edificação e de seus sistemas constituintes.

Quanto ao conforto pretendido pelo projeto sustentável, este deverá considerar as percepções humanas (são os sentidos da visão, audição, gustação, olfato e tato) e ser higrotérmico (quanto ao clima do ambiente e à temperatura dos materiais), acústico (quanto à sonoridade do ambiente), visual (quanto à luminosidade do local e aos excessos de sinalizações (poluição visual)) e olfativo (quanto aos gases e odores em suspensão).

Os projetos arquitetônicos assim desenhados são objeto do capitalismo natural, modelo econômico do desenvolvimento sustentável, que depende de sistemas eficientes de produção e cujos princípios se alicerçam na preservação dos recursos naturais e do meio ambiente, na solidariedade com as gerações futuras e na satisfação das necessidades básicas do ser humano.

Da Permacultura

Paralelamente há a permacultura, conjunto de conhecimentos interdisciplinares que foi criada na Austrália no final dos anos 70 do século XX por Bill Mollison e David Holmgreen, e trata dos elementos de um sistema e dos relacionamentos que se pode criar entre eles, por meio da distribuição desses elementos no terreno. A palavra aludida resulta da conjunção de “permanente” e “cultura”, e presume concepções baseadas em relações mais duradouras e equilibradas com o meio socioambiental.

A referida examina os ciclos biológicos da natureza e os reproduzem na elaboração de sistemas de condicionamento ambiental dos elementos (casas, açudes, ruas, estradas, parques, etc) que os compõem.

Seus princípios assemelham-se aos que informam a sustentabilidade, o projeto e o desenvolvimento sustentável. Eles, entretanto, orientam no sentido de integrar as condutas humanas criando laços de dependência ou relações de causa e efeito, com a finalidade de criar um sistema ordenado de relações em prol da preservação do ambiente natural e artificial (as cidades). Em relação a este último, pretende pela criação de áreas agricultáveis pelos habitantes de cada área ou trecho urbano, no afã de gerar renda e aproximar as pessoas da natureza, ainda que sob as técnicas de produção de subsistência.

Da Arquitetura Sustentável

A arquitetura sustentável pode ampliar o conforto ambiental e a economia de recursos naturais mediante os parâmetros de economia, qualidade e durabilidade das obras e os princípios da minimização dos impactos ambientais e do uso racional dos recursos naturais não renováveis, junto com os princípios oriundos do desenvolvimento sustentável:

  1. Preservação dos recursos naturais e do meio ambiente: este contém os dois acima, que o especificam;
  2. Solidariedade com as gerações futuras: as obras realizadas não podem degradar o ambiente, assegurando a sua existência para as gerações futuras;
  3. Satisfação das necessidades básicas do ser humano: alude ao conforto, inclusive o ambiental.

Ela depende de todo o sistema que conceitua a sustentabilidade e da obediência à todas as diretrizes do projeto sustentável. Está contida no modelo de desenvolvimento sustentável e do capitalismo natural.

Em relação aos princípios da permacultura, dependerá da consciência de cada pessoa no tratamento dado ao ambiente natural e urbano, inclusive em relação às áreas agricultáveis pretendidas; estas indicam ser aproveitáveis aos habitantes de vilas, povoados, pequenas cidades ou de baixa renda, que poderiam extrair uma parte do sustento e da renda com a produção agrícola de subsistência.

Sem óbice da permacultura, a arquitetura sustentável também deverá promover estratégias específicas para a finalidade a que se propõe, as quais abaixo seguem.

Em relação ao conforto ambiental, deverá examinar o conforto lumínico, acústico e térmico – na forma do edifício e nos materiais da envoltória.

Em relação ao aproveitamento e reuso de recursos em geral, deverá tratar da captação e armazenamento das águas das chuvas (água de reuso), do reuso das águas cinzas, da bacia sanitária com caixa acoplada e, quando for conveniente e oportuno, do uso de fogão à lenha.

Em relação ao gerenciamento das águas, deverá examinar o uso racional da água (de reuso e potável) sem prejuízo das instalações e das necessidades humanas.

Em relação à definição dos materiais a serem utilizados, deverá considerar as fases de projeto, construção e desmontagem, seguir as diretrizes referentes aos materiais renováveis, recicláveis, reutilizáveis e os atóxicos, à facilidade de desmontagem, à padronização de dimensões e ao baixo conteúdo energético (tanto no ciclo de vida do produto quanto no seu desmonte).

Optando-se pela análise do ciclo de vida do produto, deverá examiná-lo desde a obtenção da matéria-prima, manufatura, montagem, uso (operação) e manutenção; e, quanto ao destino a ser dado após seu exaurimento, deverá examinar sua reutilização (usa pouca energia) e reciclagem (o uso da energia deve ser mensurado). As emissões aéreas e líquidas e a energia consumida na produção são mais intensas nas fases de obtenção, manufatura e montagem, também devendo ser examinada pela arquitetura sustentável.

Em relação à gestão de resíduos domiciliares, deverá distinguir o lixo facilmente biodegradável (resíduos orgânicos, papéis e restos vegetais) do não facilmente biodegradável (vidro, metais e plásticos), com vistas a facilitar a coleta. Quanto às águas residuais, será necessário distinguir as águas negras (oriundas dos vasos sanitários) das cinzas (pias, tanques, lavatórios e chuveiros) e dar a cada uma a destinação adequada (reuso das águas cinzas e eliminação das águas negras).

Em relação ao paisagismo, deverá utilizar vegetação caduciforme (no outono e inverno as folhas ressecam e caem) para o conforto térmico nas edificações pelo sombreamento das fachadas; vegetação de maior duração para as coberturas (telhados) verdes; elaborar paisagismo pedagógico e paisagismo sensorial (estimulantes da visão, audição, gustação (ou paladar), olfato e tato).

Em relação às estratégias sociais, deverá preservar raízes históricas, culturais e naturais (sustentabilidade cultural), promover a igualdade social, o acesso universal e a educação ambiental, e incentivar a participação popular na escolha e acolhimento de decisões.

Em relação às estratégias econômicas, deverá usar com eficiência os recursos disponíveis no local, possibilitar pequenos negócios familiares junto à habitação, reduzir a ocupação do imóvel no lote para produzir alimentos (princípio da permacultura), incentivar a reciclagem do lixo (princípio da permacultura) e proporcionar a geração de renda oriunda da venda do lixo reciclado e do excedente agrícola (princípio da permacultura).

Da Conclusão

A arquitetura sustentável é um ramo da arquitetura e urbanismo e um novo conceito, porém dependente do conceito sistêmico da sustentabilidade e dos princípios que a informam. Estes também informam o projeto sustentável, o qual deverá atingir o conforto ambiental e a eficiência energética, sanitária e administrativa para suprir as necessidades e as percepções humanas (os cinco sentidos), adequando-se ao ambiente em que se encontrar (o “espirito do lugar”) e utilizando-se de estratégias específicas para realiza-las.

Quanto à permacultura e seus princípios, parece ser mais apropriada às comunidades de vilas, povoados ou pequenas cidades, de modo que a arquitetura sustentável dependa do interesse dos habitantes urbanos quanto ao sistema ordenado de relações e à hipótese de aquisição de rendas pela venda do excedente agrícola (subsistência) ou dos resíduos urbanos (lixo) para reciclagem ou reutilização.

Finalmente, a arquitetura sustentável é a edificação do meio ambiente porque o constrói artificialmente (as cidades) com a preservação da natureza que a envolve e desta admite ser dependente para edificar-se adequadamente diante dela. Nada a mais.

 

Marcelo Augusto Paiva Pereira.

(o autor é aluno de graduação da FAUUSP)

 

FONTES DE PESQUISA

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