Cláudia Lundgren: 'Ciclos'
Ciclos
Eu percebia meu corpo se modificando rapidamente. Comprei calças largas e vestidos. Desde que nos descobrimos mães, é incrível, já não pensamos mais em nós. Nossa vida passa a girar em torno dos enxovais, móveis de quarto, fraldas, perfumes e pomadinhas para assadura. Fiz três cesarianas, mas as marcas maiores da maternidade ficaram no coração. Tão lindas as minhas criancinhas, foram três bebês muito tranquilos, os meninos choravam a noite apenas para mamar e a menina nem isso. Uma graça aqueles pimpolhinhos começando a andar, caiam de testa, ralavam joelho, choravam, e depois voltavam a brincar. Era uma escadinha de três, eu ouvia toda a hora a palavra “mãe”, ou “ele/ela me bateu!”, “não quer me emprestar o brinquedo!”. Foram noites mal dormidas com febres, nebulizadores, diagnósticos, e também noites maravilhosas quando eu olhava minhas crianças dormindo ao meu lado.
Vieram a escola, as provas, as conquistas, e também derrotas. A gente gostava de tomar sorvete junto, comer pizza no fim de semana, ir para a casa da vovó. Eu ouvia também “Mãe, eu te amo!”, principalmente do meu carinhoso caçula.
O tempo passou, a adolescência, namorados, namoradas. Estão aprendendo a andar com suas próprias pernas, caem, se levantam. O choro deles no meio da noite já não é por fome.
Meu corpo também se modificando ao longo dos anos, em lugar daquele barrigão, a flacidez. A vivência e o tempo branquearam meus cabelos, a face já quase cinquentenária. Perdi a companhia da pizza, da sorveteria. Eles desejam viver, cortar o cordão umbilical, uma vida separada da minha. Eu saio para o trabalho, eles também. O meu caçula ainda estuda, mas agora já é grande, não quer dormir com mamãezinha, e seu passeio preferido já não é a casa da vovó.
A solidão de filhos veio, e isso dói. Mas Deus sabia disso, e por isso os ciclos vão se renovando. O meu vigor já não é o mesmo dos meus 20, 30 anos, por isso, os netos não são nossos, como os filhos. Tudo se repete, mas com menos frequência. Novamente olho para o lado e as vezes vejo um bebê dormindo. Costumo ter apneia do sono, mas é incrível, quando ele dorme comigo, não tenho. Em uma parte do meu armário, roupinhas de bebê. Perfuminho, shampoo, condicionador, toalha, fraldinha. Tomamos banho juntos, exatamente como era com os meus pequenos. Beijos e abraços, chorinhos, gargalhadas e pirracinhas. Brinquedinhos espalhados. Com ele, volto a andar de mãos dadas. Ele sempre topa tomar sorvete comigo, ele me pede bala, vamos nas lojas e quer pegar tudo o que vê. Tudo aquilo que eu havia perdido com os filhos crescidos, voltou.
Tudo bem, ele toma todo o meu milk shake, come toda minha batata e ainda quer um pedaço do meu sanduíche, mas eu o amo mesmo assim!
Claudia Lundgren
tiaclaudia5@hotmail.com
Texto em homenagem ao meu querido neto Apollo, que nasceu em 23/05/2017.