Cláudia Lundgren: 'Poetizando Alice'
Poetizando Alice
Ela era um mistério. Pouco sabíamos a seu respeito.
Muitas ultrassonografias, um mega pré-natal e um parto num hospital de primeira, com o obstetra escolhido a dedo. Um quarto particular, muitas visitas. Esses eram os planos. Veio a pandemia, e a coisa mudou de figura.
As consultas ao ginecologista foram reduzidas. E passaram a ser realizadas pelo sistema público de saúde. O dinheiro reservado para o parto teria que ser usado para a despesa doméstica, e para a compra das coisas da Alice. Comércio fechado, renda zero. Queríamos vê-la nas ultrassons, mais informações. Queríamos ver mais vezes a sua face, de várias formas. Nas tradicionais e em 3D. Mas somente foram feitas as de praxe. E esse mistério chamado Alice se fez.
Qual era o seu peso? Seu comprimento? Seriam seus cabelos louros como os raios de sol, ou negros como o ébano? Talvez, carequinha? Quem era Alice? Incógnitas, enigmas, que só foram desvendados no nascimento
As últimas semanas de gestação, intermináveis. A barriga crescia a cada dia. A criança amadurecida no ventre da mãe; 38, 39, 40 semanas…
E quem era Alice?
Eu já não dormia. A cada dia eu tinha a expectativa de que ela nasceria. E ao seu final, a insônia causada pela tão aguardada espera.
Um sinal, a ida ao hospital. Vai ser hoje! Alarme falso…
Até que a misteriosa menina resolveu dar as caras. Um hospital público, uma enfermaria coletiva. Ali, na tarde de 9 de julho de 2020, nascia a princesa Alice.
As peças se encaixaram naquele misterioso quebra-cabeça. Alice, do cabelo cor de ébano, da pele rósea; um pacotinho pesado de 3.640 kg, medindo 48 cm.
O corpinho roliço, sem nenhuma pelanquinha. A pele soltando, devido às 40 semanas e três dias dentro da nave-mãe.
Eu a vi nas primeiras fotos, me emocionei. Eu a vi face a face, mistérios desvendados, coração acelerado, o chorinho cor-de-rosa; me apaixonei.
Claudia Lundgren
tiaclaudia05@hotmail.com