Jairo Valio: 'Já fui bela'
Já fui bela
Seus abraços cheiram mal e me oprimem.
Quero me afastar mas não tenho forças,
Sem vitalidades que se esvaíram com o vicio,
E sou esquálida, só ossos, o pudor perdi.
Recordo nas minhas alucinações tão loucas,
Que fui bela, corpo esbelto, perfeitas formas,
E nos meus cabelos esvoaçantes uma flor morou,
Que a brisa suave espalhava seus perfumes.
Vi minha infância onde fui linda bailarina,
Equilibrando nas pontas dos pés o corpo gracioso,
E quando a música me convidava para dançar,
Deleitava plateias e meus pais se encantavam.
Um dia uma pequena pedra pediram para cheirar,
Colocando nela uma chama até tendenciosa,
E a fumaça penetrou fundo na minha sensibilidade,
Causando euforias que me deixaram alucinada.
Prazeres momentâneos tive-os em abundância,
Que logo se dissolviam e novamente despertavam,
E assim o vício foi aos poucos me dominando,
Com o crack tão nojento entoando sua vitória.
Um corpo bonito deixou então de existir,
E em trapos converti meu perfil até ousado,
Que meus pais tristemente viram se dissipar,
Pois a filha de seus orgulhos já não mais existia.
Sou uma ambulante que procura até nos lixos,
Alimentos que cheiram mal para não morrer,
E se não tenho mais bens que até roubei,
Entrego meu corpo para ganhar alguns trocados,
E nos delírios enganosos vou levando meu destino.
Jairo Valio – valio.jairo@gmail.com
13/09/2012