Antônio Fernandes do Rêgo: 'Por que não falei de flores?'

Antônio Fernandes do Rêgo

Por que não falei de flores?

Por que não falei de flores

Nos dias idos de agosto,

Vislumbres da primavera,

Ao crepúsculo do sol posto?

 

— Porque as flores murcharam

Em túmulos e covas rasas

Nos tempos de pandemia,

Marcando tristeza nas casas.

 

Por que não falei de sonhos

De quando os ventos levaram

As folhas secas do outono,

De quando as fontes secaram?

 

— Porque sonhos foram adiados,

Trocados por esperanças,

Porvir em dias melhores

Quando isto for só lembranças.

 

Por que não falei de pássaros

Livres aos bandos nos ares,

Gorjeando nos matagais

Alegrando os meus cantares?

 

— Porque não pude vê-los

Em seus voos de liberdade

Nos vales e nos montes,

Ou nos bosques da cidade.

 

Por que não falei de festas,

Estas matrimoniais

Que alegram o mês maio

No altar das catedrais?

 

— Porque os noivos não vieram,

Os salões foram fechados,

Cerimônias adiadas,

E suspenso os batizados.

Por que não falei de viagens,

A maravilhosos lugares,

De casais de enamorados

Em cruzeiros singrando os mares?

 

Porque toda o mundo parou,

Porque se fecharam os portos,

E em todos recantos da terra

Passaram a contar os mortos.

 

Por que não falei dos são joões,

Das quadrilhas tão fagueiras,

Das alegrias das fazendas

Rodas em frente as fogueiras?

 

— Porque vi mundos desolados

Que falavam em soidões,

Madrugada imersa em dores,

Então falei de adesões.

 

Também falei de amores

Em dias tristes e amaros,

Eu não pude falar de flores,

Falei de apoio e amparos.

 

Eu falei do calor humano

E falei da luta aguerrida

Contra o covid no mundo,

Eu também falei da vida.

 

Pois, no horizonte vislumbro

As pérolas da mão Deus

Pôr as cores da primavera

Nestes tristes versos meus.

 

Antônio Fernandes do Rêgo

aferego@yahoo.com.br