Autista e artista: Letícia Mariana, a mais jovem colunista do ROL numa entrevista reveladora!
De colunista para colunista, Sandra Albuquerque apresenta aos leitores do ROL o universo interior de Letícia Mariana
O Jornal Cultural ROL reúne atualmente um selecionadíssimo grupo de 35 colunistas de várias partes do Brasil e até do exterior (Portugal).
Um grupo formado por colaboradores de diversas áreas e profissões: advogados, artesãs, artistas plásticas, administradora de empresa, arquiteto, inspetora de alunos, escritores/escritoras, fomentadora cultural, genealogista, historiador, jornalista, pedagoga, psicopedagogo, poetas/poetisas, professor, educadora infantil, pesquisadora e tradutora.
Um grupo heterogêneo em profissões e áreas de atuação, porém homogêneo em sensibilidade, espírito de coletividade e, voluntariamente, uma mega vontade de disseminar as Letras e as Artes!
A esse grupo de seres humanos especiais o Jornal ROL denomina, carinhosamente, de Família ROLiana!
E, como toda Família, os colunistas do ROL trocam ‘figurinhas (carimbadas!) culturais’ e tecem comentários sobre toda ordem de coisas diariamente por meio do grupo dos Colunistas e Correspondentes no WhatsApp.
Um desses comentários sugeriu que um determinado veículo de comunicação parece ser autista, uma vez que repete sempre a mesma coisa. E a palavra ‘autista’ atraiu a atenção da mais jovem colunista do ROL, a escritora e poetisa Letícia Mariana, de apenas 20 anos de idade, que é portadora de autismo leve.
Da intercessão de Letícia na conversa, a poetisa Sandra Albuquerque sentiu uma irresistível vontade de abordar o tema ‘autismo’, sob a ótica de Letícia, por meio da entrevista abaixo.
Sandra introduz a entrevista com considerações pessoais:
“Hoje, 09 de dezembro é o Dia da Criança Especial.
Segundo os especialistas uma criança especial é aquela com alguma deficiência auditiva, mental e visual.
Ontem à noite, em conversa com alguns amigos colunistas do Jornal Cultural Rol, tocando no assunto do autismo a nossa querida jornalista poetisa e escritora Leticia Mariana entrou na conversa e, como vocês sabem, a Leticia Mariana não esconde de ninguém que ela é Autista. Leticia Mariana é uma jovem sensacional, dinâmica ,inteligente e autora de alguns trabalhos literários, dos quais destaco o Livro ‘Entre Barbantes’. Eu resolvi entrevistá-la e, nessa conversa, estavam presentes a nossas queridas escritoras Cláudia Lundgren, Verônica Moreira e a Alcina Maria.
A seguir, trago para você, leitor, a importante conversa que tivemos, a qual tenho a certeza que vai esclarecer dúvidas de muitas pessoas sobre o Autismo.”
SA. Letícia Mariana, você sabe da minha admiração por você e pelo seu trabalho. Gostaria que você nos dissesse agora o que é realmente o autismo?
LM. Autismo é uma síndrome que muitos chamam de deficiência, principalmente pela lei. Nós precisamos dessa lei, assim temos os nossos direitos, mas muitos consideram o termo ‘deficiência’ pejorativo, pois algumas pessoas o utilizam de forma pejorativa.
Existem vários ‘tipos de autismo’ no espectro (TEA: Transtorno do Espectro Autista), e também vários graus. Eu sou Asperger, que é uma autista com habilidades incríveis, como se fosse um ‘super inteligente’. Entretanto, o peso de ser diferente é doloroso e tenho crises nervosas, sendo assim, preciso ter pausas durante o dia, assim me controlo. Muitas vezes, tenho movimentos repetitivos, como balançar os braços e andar pela casa, mas evito agir assim no trabalho.
Como sou palestrante, troco os balanços pelos gestos, e me comunico muito bem, faço bons discursos, coisa que nem todo autista faz.
É um tema complexo.
SA. Ouço relato de pessoas que dizem que as pessoas autistas são muito inteligentes. Essa afirmação procede?
LM. São altamente inteligentes.
SA. O que os pais ou os responsáveis das crianças autistas devem fazer quando percebem que seu filho pode ter autismo?
LM. Devem buscar profissionais e os psicólogos e psiquiatras são os profissionais indicados .
SA. Como você, na condição de autista vê o termo “criança diferente de criança normal” ?
LM. Eu não vejo a criança autista como uma criança anormal, uma criança que tem um QI diferente.
SA. Para você a criança autista precisa de uma escola especial?
LM. Não, Não! Sem escola especial , por favor! Se eu estivesse estudado numa ‘Escola Especial’, talvez não estivesse aqui com vocês. Por exemplo, não saberia viver em diversidade, tampouco contribuiria para que outras pessoas lidassem com as diferenças.
SA. Você sofreu bullying na escola porque, infelizmente, as crianças que têm autismo, Síndrome de Down, deficientes físicas ou visuais, negras , obesas e sem opção sexual definida passam por isto. Cite suas experiências.
LM. Sim, muito! A minha maior dificuldade foi a escola! Compreendo. Eu ficava assim quando faziam bullying comigo! Corria para o banheiro, chorava, e me batia muito! Minha mãe se assustava e eu dizia pra ela que eu é que me batia escondida, nunca menti! Só que, por eu ter hiper foco em estudar, não saía da carteira, ficava focada, literalmente. Cada autista tem o seu hiper foco, o meu é a Literatura ou qualquer coisa que eu queira estudar, que eu ache que é conhecimento.
E as minhas primeiras professoras me odiavam, e achavam que eu jamais aprenderia a ler, escrever etc.
Eu vivia olhando os livros, doida para aprender, mas era difícil. Minha avó lia as histórias, eu decorava para as provas e minhas professoras não entendiam, pois eu não sabia ler, mas conseguia decorar palavras difíceis e os colegas não, mesmo lendo. Mudei de rua e encontrei uma escola maravilhosa! A professora que me alfabetizou é minha amiga até hoje e tem uma dedicatória especial no livro ‘Entre Barbantes’.
Quando cresci, sofri muito bullying, chorava escondida. Eu era a nerd, tanto na infância quanto na adolescência. Tinha dificuldade de lavar o cabelo, então eu era feia. Quando comecei a namorar, fui aprendendo a ser vaidosa, descobri que meu estilo é clássico, recatado e me tornei bonita, como sempre fui. Eu já sou bonita sem me produzir, mas me tornei mais!
Também era muito zoada pelo meu sonho de ser escritora. Pelos familiares, colegas de colégio, poucos professores e amigas da minha mãe, amigas que achavam que eu queria copiar a minha mãe, porque ela escreve para a área da educação. Nunca entendi, pois os meus livros são romances/suspenses entremeados de poemas!
SA- Quando você descobriu seu Autismo?
LM. Eu só descobri o meu autismo aos 19 anos, pois tive uma espécie de ‘surto’ que ocorreu numa livraria, em janeiro de 2019, na qual um escritor que era meu grande amigo, por quem eu tinha muito carinho me humilhou publicamente e colocou uma substância em minha bebida. Ele gritava comigo na livraria, com todos, dizia que eu só vendia porque tinha um rostinho bonito etc. Aquilo pode ter gerado uma crise, mas acho ‘surto’ uma palavra forte.
Meus familiares chamaram de surto e isso me dói o coração. Não acho que eu estivesse ‘surtada’, apenas confusa. Decorrente dessa situação, fui parar na UPA e quase morri! Meu noivo me salvou. Mas acontece que, bem, fiquei traumatizada. Fui tomar injeção várias vezes no PINEL e meu noivo me acalmava para não doer. Eu tinha medo de ficar lá, meu médico queria que eu ficasse e quase me internou, mas agora ele percebeu o erro que quase cometeu.
SA. Querida, eu aprendi com os pesquisadores que nós nunca devemos abandonar os medicamentos de ordem médica ainda que tomemos algum remédio da homeopatia, tipo alguns chás porque os efeitos colaterais são irreversíveis. Essa orientação procede?
LM. Sim, pois somente os profissionais podem tratar o nosso problema, tendo em vista que cada caso é um caso.
SA. Quero agradecer a você, poetisa Letícia Mariana, que se disponibilizou a tirar dúvidas na presença das nossas amigas e colunistas e que, agora, também servirá de subsídio aos leitores do ROL. E, para terminar deixe uma mensagem para nós sobre Ser Autista.
LM. Eu tenho orgulho em ser autista! Muitos não tem, pois se consideram incapazes. Eu? Não! Eu tinha pavor de água, piscina e até isso estou superando! Não sabia me arrumar e agora sei montar looks! Não conseguia me maquiar, agora descobri o meu estilo de maquiagem e adoro as sutis! Tudo questão de ter orgulho do que é!”
Rio de Janeiro,09 de dezembro de 2020.
Poetisa e Escritora Sandra Albuquerque
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