Marcus Hemerly: 'Provocações sobre o sentido da felicidade'
Provocações sobre o sentido da felicidade
“O medo de ser infeliz é peso que atormenta.”
Aldous Huxley – Brave New World.
Quando pensamos na ideia de felicidade, do latim felix – aquilo que é fecundo, na definição grega “eudaimonia” – decerto, inúmeras concepções nos vêm em mente. Num primeiro momento, perguntar-se-ia se felicidade, a qual não é uma realidade constante, mas momentânea, seria ter o que se almeja, o que para a perspectiva platônica, seria Eros, ou seja, aquilo que não se tem, o que faz falta. Ora, inquestionável o fato de que o homem ser etnocentrista por natureza, muitas vezes narcisista, se mostrará contente face a obtenção de seus anseios, materiais, afetivos, ou até mesmo metafísicos, quando na religião, sente-se embalado pela certeza da guarda divina. Contudo, com a obtenção do objeto de desejo, cessaria o estado de contentamento?
No pensamento Socrático, a felicidade seria alcançada pela virtuosidade e justiça na conduta empreendida pelo indivíduo; o que seria ratificado por seu discípulo Platão, ao idealizar que a forma de contentamento pautada na felicidade, se vislumbraria pela efetividade das práticas de justiça e virtude – aqui não afastadas da ideia de satisfação pessoal – associadas ao pensamento ético, no campo privado e público, do que derivaria a grande ética e a pequena ética, ou etiqueta.
Na lógica ética política de Aristóteles, divergentemente do professado por kant, se trabalharia com uma concepção mais básica de felicidade, utilitária, delineando preceitos fundamentais, que seriam coroados, por assim dizer, pela alma racional do ser pensante, que o elevaria a uma propinquidade ao divino. Caminhando nessa linha de instigações, um outro desdobramento de interpretação poderia asseverar que a felicidade seria a completude que se alcança em outrem; em um parceiro romântico, na amizade, ou nos laços fraternos e familiares. Mas neste pequeno espaço de reflexão, indissociável se perquirir o quão mutável é a ideia de felicidade e o cenário periférico no qual ela é concebida, e como, nas suas diversas formas, se descortinará.
Outra fonte de análise, seria a concepção da estabilidade na vida como fonte de satisfação pessoal, mas aqui, deparamo-nos com uma questão complexa. Até que ponto o estado manente, como lastro à autoconfiança ou “autossuficiência” – termo consagrado no filosofar de Antístenes, que permite ao homem se entregar aos seus projetos – poderia ser contemplada em cotejo à ideia de felicidade? Sob a ótica dos epicuristas, pela qual a busca pelo prazer seria empreendida de maneira moderada a fim de atingir um estado de tranquilidade que possibilitasse a dissociação do medo, poder-se-ia associar livremente os conceitos de tranquilidade/placidez e parcimônia na busca do prazer, forte vetor hedonista naquela construção filosófica. Trata-se na verdade, de uma libertação dos desejos na busca pelo prazer, contudo, não de forma desbragada ou irracional, mas de feitio metódico a ser aplicado em tal plano de ideias.
Em um outro vetor de análise, é possível examinar a felicidade como a ausência, ou a negação do que faz mal, ou seja, a infelicidade, cuja investigação, numa meditação contrário sensu, recairia no mesmo esforço intelectivo de reflexão o qual ora se propõe. Neste campo, surge outra inquirição: Qual o momento em que de fato, é possível se identificar a felicidade? Como ela ocorreu? Quanto tempo durou e se podemos aferi-la concomitantemente à sua fruição; ou ainda quando cessou de existir e por quê.
Na contemporaneidade, associou-se a proposição de felicidade à diversidade de interesses, pensamento do século XX difundido por Bertrand Russell. Nesse espaço, tal multiplicidade, mostra-se como uma fonte de reflexão pertinente, pois a idée fixe tolheria o leque de interações do indivíduo, e consequentemente, suas fontes de potência de agir, nas palavras de Spinoza. Por essa lógica, quanto maior a amplitude de interações, maiores as possibilidades de estímulo externo, e por implicação, à felicidade.
Mais um enfoque de interesse, seria, consoante mencionado alhures, a identificação ou conscientização da felicidade, pois não se deve ter como definições sinônimas, os conceitos de “simples” e “simplório”. O simplório é o desprovido de conteúdo, sem composição, a obviedade isolada; o simples pode ser algo desprovido de complexidade, mas não de conteúdo. O amor não é simplório, as cadeias de afeto desencadeadas por uma amizade forte não são simplórias, ao revés, são uma espécie diferenciada de amor, tendo em vista que a etimologia da palavra amigo, em seu exórdio latino, amicus, deriva o verbo “amare” que por sua vez remete à “pessoa a quem se ama”.
Trata-se de ato simples, tal qual o dizer a alguém que este lhe é caro, é amado, o contato físico inocente de um abraço e um beijo, ou mesmo um tórrido encontro sexual, as quais, num primeiro olhar, seriam ações simples, mas nunca simplórias, pois irradiam feixes emocionais fortíssimos aos envolvidos, e muitas vezes, ao seu derredor. A busca pela satisfação quando intentada de maneira fútil, norteando-se por um sentido de quantidade, e aqui, refere-se à quantidade de experiências, de simulações, de acréscimo como um vazio avatar, nos depararíamos com uma felicidade artificial, ou pseudofelicidade.
Hodiernamente, existe um ápice episódico de satisfação, pois como já foi dito, a felicidade não é constante, mas uma construção de momentos, daí a relevância de se valorizar cada acontecimento como se fosse único – e de fato, o é – momentos os quais comporão a felicidade individual, assim como o histórico pessoal de cada ser racional. Diante disso, você é/está feliz…?
Marcus Hemerly
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