Artigo do Ricardo Hirata: "As categorias de indivíduos: o circuito superior e o circuito inferior'

Ricardo  Hirata Ferreira: ‘AS CATEGORIAS DE INDIVÍDUOS: O CIRCUITO SUPERIOR E O CIRCUITO INFERIOR’

meio corpoA eficiência do sistema necessita de corpos domesticados. Aqueles que se desviam das normas de algum modo são anulados. Pode-se dizer que existem três categorias de indivíduos: os que estão dentro do sistema, os que continuam dentro, porém foram inutilizados, e os que estão excluídos.

O primeiro grupo sustenta e gera o sistema tirando benefício disso. Os que fazem parte dele estão mais aprisionados, pois são os que melhor se enquadram as regras, contribuindo para a sua produção. O acesso é a palavra chave, eles possuem as condições adequadas de mobilidade espacial: entrada e saída dos lugares que compõem o circuito superior da vida moderna.

O segundo grupo é composto por aqueles que foram deixados de lado (isolados). Eles causam constrangimentos ao sistema. Já fizeram ou tentaram fazer parte dele, mas por algum motivo não se adequaram as regras e padrões pré-estabelecidos de normalidade. Não possuem mais as condições, os pré-requisitos e as qualidades para estarem no primeiro grupo. Estão presentes de forma precária no circuito superior, com grau muito reduzido de mobilidade (de movimento).

O terceiro grupo nasceu no circuito inferior. A sua existência já os coloca neste patamar. De maneira alguma são aceitos ou bem vindos no circuito superior. Com raras exceções alguns deles conseguem romper com esta situação/ posição. Muitas vezes o próprio corpo já denuncia a sua não aceitação e adequação. Por mais que se esforcem, dificilmente conseguem se enquadrar as normas e a cultura dominante, eles serão sempre vistos como os que são provenientes do circuito inferior.

O primeiro grupo dominante trabalha no sentido de manter o status quo. Não interessa a estes indivíduos a mudança, uma vez que isso ameaça o funcionamento do sistema. O controle e a vigilância estão presentes em todos os grupos, o último grupo, no entanto é o que escapa mais as regras. Formam outra cultura, compondo uma ameaça ao funcionamento perfeito do sistema. Mesmo assim estão submetidos à violência da vigilância. Como não pertencem e não tem acesso ao circuito superior da vida moderna, vivem em um “mundo paralelo” e produzem um circuito inferior da vida moderna, com resíduos e elementos do primeiro circuito. Em diversos momentos os circuitos entram em atrito (distância e proximidade ganham outra dimensão com o desenvolvimento tecnológico).

Para o sistema o terceiro grupo de certa forma é importante para o enriquecimento e a existência (manutenção) do primeiro grupo. Ao longo do período histórico ele é mais ou menos requisitado/acionado/desconsiderado. Os indivíduos do terceiro grupo podem, e são eliminados de fato se eles saem do seu espaço e “invadem” o espaço do circuito superior do primeiro grupo. É evidente que os que estão no circuito superior valem muito mais, enquanto que os que estão no circuito inferior valem muito menos (ou nada). Colapsos já existiram e o sistema soube se reajustar, a custa de inúmeras vidas. As questões colocadas: Quantas vidas serão ainda descartadas? Até quando os espaços dos circuitos superiores estarão protegidos?

 

Ricardo Hirata Ferreira

Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.