Adriana Rocha: 'Silêncio!'

Adriana Rocha

Silêncio

Sou uma mulher de palavra. Literalmente. Metaforicamente. Palavra literária. Palavra escrita. Palavra falada. A fala é meu alimento diário: é líquida, é sólida,  é gasosa. Jamais insípida, inodora ou incolor (tríade que combina somente com a água).

Ouço as letras conversando, formando palavras que se unem em frases e parágrafos. Tornam-se textos. É um bailar visual, mas eu as consigo sentir! Enquanto elas dançam, provocantes, eu canto! Sigo o som dos bemóis que embalam a dança…

Nada entendo, tecnicamente, de música, das suas erudições, mas permito que me envolva e me embale em seu ritmo. Danço desengonçadamente, mas não me importo: permito-me a liberdade corporal e me entrego aos passos improvisados.  Letras dançantes, na escrita elciana.*

É assim que escrevo: permitindo que as palavras me provoquem (risos, cócegas, dores, êxtase, medo, insegurança…). Sei escutá-las. Sim, eu que falo tanto, silencio-me para deixar que elas falem comigo e para mim. Aceito que me convidem para sua dança. Não me importo se há ritmo! As palavras me tomam pela mão, puxam-me pela cintura e me enlaçam! Sopram obscenidades, mudam de assunto, fazem uma oração… Fecho os olhos e permito-lhes um momento de intimidade.

Mágica! Viajo por histórias que não são minhas, mas que gritam para que eu as revele ao mundo! Não posso ignorá-las, fingir que nada tenho com isso, que se virem e busquem outra pessoa para trazê-las ao mundo. É a mim que querem. É a mim que se despiram, mostrando-se completamente. Mesmo de olhos fechados eu as enxergo. Então, sorrio e as acolho. Quero um contato delicado, não assustá-las, mas, às vezes, elas simplesmente saltam sobre mim: sinto o baque do chão sem proteção. Aceito.

Aprendi muito cedo a força que emana das palavras. Aprendi que elas têm a força de romper os grilhões. Masculinos. Autoritários. Misóginos.

A palavra é feminina e sabe seduzir. Quem se atreve a ignorá-la tem que suportar a limitação de não conseguir se expressar, de forma adequada: faltaram-me as palavras! E quando isso acontece, resta o calar-se. Caso e assunto encerrado. Quem tem as palavras vangloria-se da vitória e quem não as tem, lamenta pelo vexame de não conseguir se manifestar.

Não nego, tampouco desconsidero as múltiplas possibilidades de linguagem e de comunicação, mas valorizo a beleza de formar frases, de permitir o nascimento de uma história, de um manifesto, de uma lei, de uma oração. Inegável que podem ser orais, mas como ficam belos quando são registrados em palavras! Eternizam-se.

Palavras exigem silêncio. Que contradição! Não é possível ouvi-las quando o barulho se instala. Exigem foco, atenção exclusiva. Eu as entendo. Respeito. Concordo.

Eu as aprecio, as degusto como um cálice divino. Cada uma tem o seu sabor, embriago-me. Então, faço uma reverência e silencio-me também. Depois, como se estivesse esperando o grande momento catártico, grito e permito que elas ocupem todos os espaços. Fecundadas. Palavras de mulher!

*Elciana: referente ao escritor Élcio Mário Pinto.

Adriana Rocha

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