Sandra Albuquerque: 'Arthur, quando der'

Sandra Albuquerque

Arthur, quando der

Nasceu  apressado, em berço rico, num vilarejo de Nova Bordeaux, um menino prematuro e seus pais ainda não havia terminado seu enxoval e nem a Festa de boas-vindas – que frustração!
O costume da  época  era quando um menino fizesse um  mês, um grupo de sete amigos  casados festejava o seu nascimento, regado a muito vinho e queijo, enquanto as suas esposas  tomavam chá em uma sala separada, degustando deliciosos pães e  camefours, recheados com geleias – tudo feito na fazenda.
E  aquele menino frágil  foi crescendo  e não sei se graças à natureza a sua volta e alimentação pura e saudável, logo nem parecia ser um prematuro, mas era como os outros das redondezas.
Aos seis anos, ele começava aprender as suas primeiras letras e isto deixava seus pais muito felizes, pois via ali a esperança do herdeiro que cuidaria da fazenda e de todos os seus bens.
Todos os dias, após seu café matinal, ele estudava na escola da fazenda e a tarde ele brincava, após fazer seus deveres escolares de casa.
Aos doze  anos, o seu pai pensou que já podia ensinar ao Artur algumas coisas a respeito da fazenda e foi aí que a história começou :
– Artur, meu filho, venha aqui!
– Agora não posso meu pai, pois estou ocupado com os meus deveres escolares e quando der eu vou.
Na tarde seguinte e  nas outras também, todas às vezes que o pai dele chamava, a frase que ouvia dele era:
– Quando der eu vou!
E isto, tornou-se uma rotina e o tempo foi passando e agora ele já era um rapaz.
-Arthur, eu e sua mãe  estivemos conversando e vimos a necessidade de você continuar seus estudos em outra cidade e se formar em Engenheiro Agrônomo, pois, afinal, precisamos ter alguém para cuidar dos negócios da nossa fazenda e você é o único herdeiro de tudo o  quanto temos.
– Nem pensar, senhor meu pai! Pois o que eu quero mesmo é curtir um pouco a vida e eu sou muito jovem e quando der eu vejo isso!
Aquelas palavras caíram sobre seu pai como um raio e destroçou  o seu coração.
– E agora meu bem, o que eu faço?
– Ah, meu querido você conversa com ele novamente; mas tenha calma e quem sabe ele muda de ideia.
E os dias foram passando e entraram semanas e meses e aquela conversa já estava ficando cansativa e pesarosa.
Um dia pela manhã, ao notar a ausência do Arthur na mesa do café, seus pais resolveram ir ao seu quarto e  tinha apenas um bilhete na cama:
– Cansei das conversas e resolvi me mudar e vou morar na cidade com mais quatro amigos e vou curtir a minha vida, usando as minhas economias, mas não se preocupem, pois quando der eu virei visitá-los.
Foi um choque para os seus pais e, principalmente, para sua mãe, porque ela sabia que as suas economias não eram muitas e que, logo, logo ele precisaria de um socorro.
Mas do outro lado lá estava Arthur todo feliz, juntamente com Fred, o Paulo Ted e o Cacau.
– Enfim livre! Poderei fazer tudo o que quiser e sem cobranças.
Mas seus amigos nem imaginavam que a preguiça era companheira do Arthur.
Ao levantarem pela manhã, todos arrumavam suas camas e preparavam os cafés, faziam o almoço e o Arthur continuava dormindo e quando o chamavam a frase que ouvia repetidamente era mesma:
-Quando der eu vou!
Até que um dia resolveram fazer uma reunião.
– Artur, qual é a sua?
– Você não faz nada dentro de casa e todo mundo aqui faz tudo e para que não fique nada sujo, ainda precisamos fazer a sua parte também e , agora, arrumamos emprego e como é que vai ficar?
– Relaxa, Fred, e você também Paul, pois  o pior eu faço que é dar a maior parte do dinheiro para as despesas. Acorda mais cedo deixem tudo pronto.
– Mas não é por isso que você vai explorar a gente!
– Até você, Cacau!
– Eu tenho uma ideia para vocês :
-A  partir de hoje vocês fazem tudo e eu arco  com as despesas e o que vocês receberem é só para as suas  farras.
E assim Fez o Arthur e o tempo foi passando e ele só gastando, gastando e não fazia nada.
Até o prato da mesa ele não retirava e dizia que quando desse ele iria lavar.
Na fazenda, seus pais ficavam preocupados porque  ele não dava notícias e nem  adiantava esperar por ele no Dia das Mães, Dia dos Pais e tampouco no Natal, no Ano Novo e no Dia de Ação de Graças, porque ele dizia a mesma frase:
-Quando der eu vou.
 E o Arthur estava na gandaia.
Então, seus pais tiveram que tomar certas providências porque, afinal, os negócios da fazenda não podiam parar e havia entre todos os trabalhadores, um jovem muito esforçado que passava  horas e horas pesquisando a respeito das terras e tudo que ele achava de interessante para a produção mostrava  ao pai do Arthur  e muitas das ideias dele seu pai colocava em prática.
Um dia, o senhor Alfredo perdeu o sono e começou a pensar naquele jovem estudioso e promissor e pela manhã conversando com a Dona Aurora, disse:
– Querida, a nossa realidade é uma só:  o nosso filho não quer nada com a nossa fazenda, os nossos negócios e só pensa em  gastar. Eu sei até que você manda dinheiro escondido para ele e isso não é bom. Eu venho observando um jovem na fazenda e você acredita que todas as ideias que ele me tenho posto em prática e isto tem trazido um bom lucro para nós e  estou pensando em prepará-lo para cuidar dos nossos negócios?
-Querido, você sabe o que é melhor para nós e   a sua decisão eu vou acatar.
Ao cair da tarde, o jovem Francisco ao chegar perto do seu patrão teve a grande notícia de que iria estudar a fim de  aprender novas técnicas que  beneficiassem a fazenda.
O jovem Francisco agradeceu e partiu muito feliz para os estudos e  todos os finais de semana ele vinha até a fazenda e deixava a todo o organograma a ser aplicado durante a semana inteira e esta foi a forma que ele encontrou para que o seu esforço não parasse no meio do caminho e que a fazenda pudesse continuar no rumo em que estava.
Com o passar do tempo formou-se voltou à fazenda, efetivamente, como Engenheiro Agrônomo.
Enquanto isto, Arthur continuava na sua vidinha de sempre, porém  mais  velho e agora sozinho, pois até os seus amigos não aguentaram sua companhia e humilhação.
Arhur era um verdadeiro encosto.
Só pensava em si mesmo
Sua vida virou uma mesmice.
Arthur não tinha namorada porque elas se afastavam dele quando sabiam como ele era.
Enquanto isto, o Francisco assumiu os negócios da Fazenda e ia  de vento em polpa e  tinha seu salário de Engenheiro Agrônomo, melhorando ,com isto, a vida de seus velhos pais e de suas três irmãs.
Um dia..
Surgiu uma pandemia e o Sr. Alfredo e Sra. Aurora ficaram muito doentes e escreveram a Arthur  e ao receber ele pensou consigo que poderia ser uma simples gripe e não passava de mais um fricote de seus pais e os ignorou, como sempre, enviando-lhes um bilhete, apenas, dizendo: – Quando der eu vou.
 E a doença dos seus pais se agravava  a cada dia mais e mais e eles mandaram chamar um  tabelião e  redigiram  um testamento.
Algumas semanas depois, ambos faleceram, praticamente, no mesmo dia e o próprio cartório procurou pelo Arthur para que o testamento fosse aberto.
Arthur levou um choque ao tomar conhecimento do falecimento de seus pais, pois sentiu-se culpado, mas, por outro lado, sabia que ali seus problemas, enfim, teriam terminado porque ele iria vender a fazenda e ficar com todo dinheiro para fazer o que bem entendesse e não via a hora do testamento ser lido.
No dia designado pelo cartório, para sua surpresa, ao entrar na sala onde o testamento seria lido, lá estava um jovem que Arthur desconhecia e, então, cheio de si, logo perguntou ao tabelião :
– Não deveria ser, apenas, eu a  estar nesta sala, juntamente com o Senhor? O que faz esse estranho aqui no meio de nós?
Aquele senhor de semblante fechado, óculos pesado de leitura, olhou para ele por baixo dos óculos e falou:
– Apenas, sente-se,  meu rapaz, e logo saberá, pois daremos início à leitura do testamento.
“Eu, Alfredo Quintanilha e minha esposa Aurora Quintanilla, em perfeitas sanidades mentais, sabedores de que a nossa hora se aproxima resolvemos fazer esse testamento, desautorizando que haja recursos pela parte não beneficiada, onde  reza que todos os nossos bens móveis e imóveis  sejam entregues ao Jovem Fabrício Lemes, pois ele fez por nós  tudo o que um  filho deveria fazer para seus pais, estudando, formando-se em Engenheiro Agrônomo, custeado por nós  e vem, incansavelmente, cuidando de nossa fazenda e de nossos negócios, dando-nos grandes alegrias e lucros e, ainda, como pais abandonados declaramos  destituído de filho legítimo  e de todos os nossos bens o Sr. Arthur Quintanilha o qual nos dizia apenas a frase “Quando der eu vou”.
E aquele Senhor do semblante fechado deu por encerrada a sessão.
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Autora:Poetisa Sandra Albuquerque
Rio de Janeiro,19 de março de 2021.
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