Direto de Angola para o Brasil, Gabriela Lopes entrevista o professor e escritor Antônio Alexandre
“A carreira de docente foi abraçada por necessidades, ou seja, com a minha 5ª classe já falava e escrevia corretamente a língua Inglesa e, com o decorrer do tempo, me tornei um falante e passei também a ensinar os amigos.” (Antônio Alexandre)
- Seja bem-vindo à entrevista ao Jornal Rol cultural. Gostaria que falasse um pouco sobre suas raízes, onde nasceu, como foi sua infância e como escolheu a carreira da docência e escrita.
Antes de tudo quero agradecer a Jeová por tudo que tem feito por nós. Em segundo lugar, quero aqui manifestar a minha satisfação e agradecer a oportunidade que o jornal Rol cultural abre para mim.
Meu nome é António José Alexandre. Nasci em Luanda, no bairro da Cuca, Cazenga, em 1971.
A minha infância foi marcada de muita alegria. Meu pai na altura trabalhava numa empresa petrolífera, Francesa, ELF Aquitaine Angola. Os filhos dos trabalhadores da ELF recebiam no final de cada ano, isto é, em dezembro vários brinquedos, portanto, cresci bem e também fui bem educado pelos meus país, passei também, na verdade, por dificuldades de várias ordens como qualquer criança conheceu.
- Como definiria seu interesse pela educação e pela linguagem, já que é professor de língua inglesa e também de literatura…
A carreira de docente foi abraçada por necessidades, ou seja, com a minha 5ª classe já falava e escrevia corretamente a língua Inglesa e com o decorrer do tempo, me tornei em um falante e passei também a ensinar os amigos. Portanto, foi a língua Inglesa que mais tarde me levou à educação por necessidades, porque não havia professores na altura por causa do salário magro que praticava e era um setor que pagava com atraso . Um professor, por exemplo poderia ficar três meses sem salário, então os bons professores eram aliciados por outros ministérios e acabavam por abandonar a educação. Então foi assim que decidi dar o meu contributo lecionando a disciplina de Língua Inglesa, na escola Angola e Cuba a convite do Francisco Luís Sebastião da Costa.
A escola Angola e Cuba era na altura a primeira escola do IIIº nível, no Cazenga.
Cazenga que era até antes das primeiras eleições em 1992, o maior município do país.
Nascia assim o maior interesse pela educação. Erámos um grupo comprometido com o desenvolvimento do município e isso passava pela educação. O grupo era coeso e dinâmico, com professores como: Zaqueu de Carvalho, Martins Correia, Naná, Cruz, Luís Valente, Luís Leão, Naval, Tony Tony, Maria do Céu, Nando Benjamim, Francisco Félix, Manetas, Orlando Lundoloqui e o tio Chico, eu era o Tony de Inglês.
Era na altura uma grande casa do saber. Decidi mais tarde fazer línguas, literatura e Administração, na Universidade. O ensino secundário sempre teve dificuldades para selecionar professores de língua Portuguesa e fiquei com a responsabilidade para ensinar língua portuguesa e literatura Angolana e hoje é o que mais sei fazer.
- Quando descobriu que desejava escrever seu primeiro livro e como se sentiu após essa primeira publicação?
Em 2014, após a conclusão do Mestrado em linguística Aplicada decidi publicar dois anos depois, isto é, em 2016, o meu primeiro livro com o título Entorse na Comunicação entre professor e aluno: uma análise dos enunciados de provas escolares. Editado pela Paco editora, Brasil.
A responsabilidade era maior, mas era um dever como académico ter uma publicação era assim mais um contributo para o país, portanto, senti-me satisfeito e não mais parei.
Em 2020, publiquei o livro: Esdruxuladas no português de Luanda, com a editora Paco do Brasil.
- Você é professor e diretor em uma Faculdade de Angola, o Instituto Superior Politécnico Nelson Mandela, o ISPNM, como lida com os desafios de exercer a docência em seu país? Como é a relação dos alunos com os professores em sala de aula?
O Instituto superior politécnico Nelson Mandela é novo no mercado, ou seja, estamos no mercado desde 2017. Criado pelo decreto presidencial Nº 233 do conselho de Ministro de 22 de julho de 2019.
O desafio é maior. O docente em Angola briga por um reconhecimento, ou seja, por melhores condições de trabalho partindo de um bom salário. Um bom salário faz um bom professor. A maior parte dos docentes é efetivo no ensino geral e busca a colaboração no ensino superior, tudo isso por que o professor ainda não é bem remunerado. A relação do professor com o aluno melhorou muito graças também a Covid-19 que obrigou as instituições a criarem estratégias para a retoma das atividades letivas.
No ISPNM criamos grupos de Whatsapp para facilitar a comunicação entre professores e alunos e esta estratégia melhorou ainda mais a relação entre o professor e o aluno. O professor deve conhecer melhor o seu aluno, ou seja, a relação entre professor e o aluno na sala de aula deve ser saudável para que haja transmissão dos conhecimentos, para que o processo de aprendizagem decorra na normalidade.
- Fale um pouco sobre seus livros, já que tem publicações acadêmicas e literárias.
Para além dos livros publicados em 2016 e 2020 pela editora Paco do Brasil devo, em abono da verdade, dizer que foi em 2020 que mais produzi.
A Covid-19 obrigou-nos a usar a máscara e a ficar em casa, era esta a recomendação e foi assim que conheci a Gabriela Lopes, escritora e poetisa Brasileira, de Minas Gerais que no início da nossa amizade ela foi recitando os meus textos. Nasceu assim em 2020, vários projetos. Escrevi o desabrochar poético: fronteiras que se tocam, um livro de coautoria da Gabriela Lopes e prefaciado pela Presidente da Academia de Letras Teófilo Otoni, de Minas Gerais, Elisa Augusta Farina. A Gabriela Lopes tem em carteira vários projetos, participei também no colóquio poético, uma coletânea com escritores Angolanos, Moçambicanos e Brasileiros com a organização Gabriela Lopes. Foi também em 2020 que me tornei membro correspondente da Academia de Letras Teófilo Otoni, de Minas Gerais.
- Como se deu sua relação com o Brasil?
A minha relação com Brasil é boa, tenho muitos amigos em Curitiba, Foz de Iguaçu, Fortaleza, Rio de Janeiro, Recife, Guarulhos e Brás. Todos eles académicos.
É uma relação bacana. Tenho estado em várias bancas de mestrados e Doutorados com estudantes brasileiros. Participei também em vários colóquios internacionais, no Brasil. Posso até dizer que sou mais conhecido no Brasil que em Angola. Como membro corresponde da Academia de Letras Teófilo Otoni, participei com o texto Zungueira, na revista literária da academia.
Portanto, a ida constante para Paraguai fez-me parar várias vezes no Brasil e daí a relação bacana até hoje.
- O que você almeja para o seu futuro como docente e autor literário?
Reconhecimento dentro do meu país. Temos chefes que não conhecem o potencial dos seus subordinados. Gostaria de ver o meu país apostando mais no ensino, prestando maior atenção na formação de quadros para um ensino sério e de qualidade e para tal é necessário investir. A nível do ISPNM temos apoio de professores Brasileiros na formação continuada dos nossos docentes. Este ano tivemos mais de 6 formações, porém ainda não estou satisfeito.
Sempre procurei ajudar os docentes para o bem pessoal e do país. Relativamente às minhas obras, elas vão ganhando espaço. Os meus alunos partilham os meus textos e é bom quando o aluno lê o professor, pois a interação com o autor ajuda na compreensão do texto.
- Qual frase seria a frase da sua vida?
A leitura faz bem ao docente.
- Que autor e autora angolanos você indicaria para os brasileiros lerem?
José Eduardo Agualusa, Pepetela e Luís Mendonça.
Que mensagem de esperança você deixaria para Angola e Brasil, nesta época de pandemia?
O governo angolano pode fazer mais e melhor para o seu povo assim como também o governo Brasileiro pode fazer melhor para o seu povo.
Há esperança é moribunda para os dois povos, os políticos falham, porém Jeová prometeu vida melhor e Ele vai cumprir. Vamos orar a Jeová, pois Ele é ouvinte das orações.
Muito obrigada pela participação!
Gabriela Lopes dos Santos
Colunista do Jornal Cultural Rol