Celso Ricardo de Almeida entrevista o escritor e poeta Henrique Lucas, um dos sobreviventes da COVID-19 no Estado do Amazonas
“… e aprendi muito com os profissionais de saúde, que a nossa vida é um bem precioso e frágil.” (Henrique Lucas)
Desta vez, o Jornal Cultural Rol, na seção Entrevista ROLianas, conversa com o escritor e poeta amazonense Henrique Lucas, só que, em vez de conversarmos sobre livros, literatura e cultura, iremos abordar outro assunto, talvez o mais difícil já vivido por este escritor, e cujo tema já é tratado no Brasil e no mundo há mais de um ano. Vamos conversar sobre o Coronavírus, causador da Covid-19, enfermidade que acometeu o escritor fazendo com que passasse 16 dias internado sofrendo as incertezas desta doença.
No entanto, para quem ainda não conhece, Hosane Henrique Lucas de Souza ou Henrique Lucas como é conhecido é descendente dos povos Mura e Nordestinos. Nasceu em 15 de agosto de 1979 em Alto Castanho – AM (Atual Alto – Manaquiri). É Graduado em Pedagogia e Letras. Especialista em Língua Portuguesa e Literatura. Cursa Graduação em Sociologia; Pós em Artes na Educação: Teatro, Música e Dança, em Politicas Pública e Projetos Sociais, e, em Educação Indígena. É Mestre em Ciências da Educação. É Membro de aproximadamente 20 academias de Letras, dentre estas: Associação dos Escritores e Poetas de Careiro – AM – AEPOCAM; Academia de Letras e Cultura da Amazônia – ALCAMA; Academia de Artes, Ciências e Letras do Brasil – ACILBRAS; Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura – ABRASC e da Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências Letras e Artes – FEBACLA. Autor das obras solo: Braços do Sol e Meninos de Papel. Tem participação em várias coletâneas. É Embaixador da Paz – OMDDH – 2020, possui dezenas de condecorações e premiações acadêmicas, destacando a de “O Melhor Poeta Contemporâneo do Estado do Amazonas” – Almeida Editorial – MG – 2020. E está em recuperação das sequelas causadas pela COVID-19, doença que contraiu no início de 2021.
Em nossa conversa falamos sobre a COVI-19, sua perspectiva de vida e seus planos para os próximos anos.
Celso Ricardo de Almeida – Para principiar nossa entrevista, irei fazer a indagação que considero ser a mais importante de todas: você está bem? Se recuperando e voltando a normalidade?
Henrique Lucas – Estou me recuperando. Ainda sinto fraquezas, acidez (azia), diarreia, dores de cabeça, esquecimento, falta de paladar e a audição falha, às vezes… Falta de concentração… Mas estou bem melhor que antes. Pois antes, não tinha sono, doía muito meu peito, diarreia intensa, pesadelos constantes, estava ofegante e cansado. E ainda me sentia estranho.
Celso Ricardo de Almeida – Pensando sobre a vida, qual avaliação você faz hoje, quem era o Henrique Lucas antes da Covid-19 e o Henrique Lucas de hoje. Mudou algo?
Henrique Lucas – Antes eu não cuidava de mim, não observava a natureza cheia de vida e estava com muitas mágoas na alma. Agora posso vê Deus numa árvore a soprar seu ar de vida. Reconheço mais uma vez que Deus fez milagres em minha existência. Que o amor é a presença humana é o que importa para viver, apesar de vivermos num sistema capitalista. Minha maneira de ver o mundo agora é subjetiva quanto ao vírus. Mas as minhas convicções são de que eu devo fazer o bem aqueles que necessitam mais que eu. E aprendi muito com os profissionais de saúde, que a nossa vida é um bem precioso e frágil. Tudo depende da fé em Deus, do psicológico e de acreditar na ciência. Por isso aprendi que o presente é imprescindível e temos que viver um dia de cada vez. A presença e apoio logístico de minha família e amigos foram primordiais nesta recuperação. Recebia presentes, louvores, mensagens de incentivo à vida, orações, recebi da cidade toda e de vários lugares do Brasil é África.
Celso Ricardo de Almeida – E doravante, quais são os seus planos para o futuro?
Henrique Lucas – São vários: Ficar mais próximo da família, trabalhar em projetos sociais, fazer um curso de doutorado, escrever livros e participar de pastorais. Atuar no combate do Coronavírus por meio de alguma frente. Quero fazer um curso de psicologia também para ajudar pacientes nos hospitais. Acima de tudo, quero cuidar bem de minha vida, aproveitar as oportunidades positivas sob a proteção de Deus.
Celso Ricardo de Almeida – Falando agora sobre o período mais difícil da sua vida, quando você percebeu os primeiros sintomas da Covid-19, e qual foi sua reação? Você teve medo?
Henrique Lucas – Os primeiros sintomas apareceram no dia 29/01, uma sexta-feira, já na segunda seguinte procurei um posto de saúde, e no dia seguinte (terça-feira, dia 03/02) já estava internado com 60% dos pulmões comprometidos. Os sintomas eram quase que imperceptíveis, apenas uma dor ao respirar. Mas tinha uma “voz” que me mandava procurar atendimento médico. Quando estava internado e via todos morrendo ao meu lado eu tive medo e pensei que não ia aguentar… (emocionou). Ficar sem voz, sem andar, receber alimento por meio de seringas, usar fraldas, oxigênio e ter agulhas afixadas nas veias é muito triste…
Celso Ricardo de Almeida – Em algum momento, você chegou a pensar que não aguentaria?
Henrique Lucas – Por várias vezes… (emocionou). Mas sempre confiando em Deus e com orientações psicológicas e a as orações de todos, assim como a companhia de meus familiares, fui resistindo.
Celso Ricardo de Almeida – Você alguma vez imaginou que iria contrariar a Covid-19? E adotou as medidas preventivas preconizadas pelas autoridades sanitárias como uso de máscara, álcool gel, higienização das mãos etc.?
Henrique Lucas – Eu até achava que era assintomático. E sim, tomava todas as medidas sanitárias. Não imaginava contrair o vírus. Mas tinha medo, muito medo.
Celso Ricardo de Almeida – Conseguiria relatar como foi todo o processo enfrentado por você, da descoberta da doença até a cura?
Henrique Lucas – Há aproximadamente duas semanas ou duas semanas e meia, antes de contrair o vírus eu ajudei cuidar da minha tia que morreu vitimada por esta doença e estava internada em um hospital aqui da cidade. Eu não tive contato direto com ela, mas estive com suas filhas e netas frequentemente. Depois, quando ocorreu o falecimento da tia, eu fui ao seu sepultamento, em uma comunidade no interior, e após fui para a casa dos meus parentes e deitei num sofá para descansar e adormeci, e tive um sonho de que o meu pulmão estava comprometido com a doença em mais de 50%. Após isso eu fiquei com aquele sonho na cabeça e a sensação de que eu iria adoecer a qualquer momento, todavia o tempo passou e semanas depois eu contratei um amigo para arrumar uma janela da cozinha e a pia do banheiro da minha casa e estava cheio de planos. Numa quinta-feira, quando eu estava indo buscar ele para trabalhar, em minha moto, peguei uma chuva muito forte no trajeto, e me senti estranho, aquela água batendo em meu corpo dava-me a impressão de que estava sendo queimando. No restante do dia, apesar de uma sensação estranha, passei bem; na sexta-feira comecei a sentir os sintomas de gripe, no sábado a garganta inflamou. No domingo começou a doer o peito e na segunda-feira eu já não tinha paladar. Neste mesmo dia fui a um posto de saúde e após narrar minha situação, a enfermeira aconselhou-me a ficar em casa por cinco dias e me indicou uma medicação, quando fui a farmácia, que fica próximo ao hospital, pegar a medicação, encontrei uma colega e em conversa ela me indicou um hospital especifico para Covid-19. No mesmo dia, aproximadamente por volta das 16 horas fui até lá, fui bem recebido, aferiram minha pressão e fiz o teste para Covid-19 e foi agendado para o dia seguinte um Raio-X, e uma médica me recomendou que eu fosse para casa. Na terça-feira dia, 3 de fevereiro, acordei cedo preparei tudo, fiz uma oração e, mais uma vez, uma “voz” me dizia “vá ao hospital e você não voltarás por uns dias”, eu temia a minha intuição. Ao chegar ao hospital HDS fui conduzido para fazer o Raio – X, em seguida fui para o Prédio Especifico da Covid – 19. A médica que me atendeu era a mesma do dia anterior e constatou que a minha saturação estava em 93 e o meu Raio – X deu uma média de 56 a 60 por cento de comprometimento do pulmão, e diante das circunstancias a médica não me liberou e procedeu o encaminhamento para minha internação. Diante da notícia, foi aquele espanto, como eu moro sozinho foi complicado, eu só tive tempo de mandar uma mensagem no grupo de WhatsApp da família e já fui internado, colocado no soro, tomei uma medicação no Setor de Emergência em seguida fui levado para o leito para continuar a receber aqueles procedimentos da internação. Mas para mim ainda não tinha “caído a ficha”, foi difícil, senti, medo, preocupação etc. Fiquei internado por 16 dias, nas enfermarias em que fiquei todos morreram, tanto no período em que estava lá ou depois, somente eu recebi a graça de ficar vivo, isso deixa a gente muito triste, vivi e presenciei tantas situações, tantos sofrimentos. Mas aprendi muito, principalmente com a dedicação da equipe médica, os técnicos em enfermagem, psicólogos, o pessoal da logística, as nutricionistas, os médicos, os fisioterapeutas, fui bem tratado por todos, meus familiares e amigos sempre comigo, não tenho nada que me queixar. E agora estou nessa recuperação e espero que consiga, com a graça de Deus ficar totalmente curado.
Celso Ricardo de Almeida – Como foi o dia em que você recebeu alta? Pode descrever a emoção que sentiu?
Henrique Lucas – Foi emocionante! Eu recebi a alta no dia 18, porém só pude sair do hospital no dia 19 por conta dos protocolos que envolvem a liberação hospitalar. No dia 19 logo pela manha teve toda uma cerimônia de despedida, fizeram uma festa com bolo, foi tão emocionante que minha pressão subiu, fiquei muito emocionado. Ainda fiz uma live junto com a equipe médica e dei uma entrevista. Tudo muito emocionante. Em agradecimento fiz uma poesia intitulada Gratidão.
GRATIDÃO:
(Henrique Lucas – 18.02.2021 – In hospital de Campanha de Careiro – AM)
A Ti Senhor quero agora agradecer
Pelo sopro dos versos de meu viver
Por ter mantido meus pulmões ativos
E minha esperança em flocos de lírios
Obrigado Senhor por tua palavra e carinho
Pelos teus servos e anjos em meu caminho
E que sejam bênçãos por todas as gerações
O teu louvor e preces em nossos corações
Que sejais bendito quem te recebeu
Que possas respirar o teu infinito amor
Que declame as maravilhas do Salvador
Hoje meu ser de poesias vem te agradecer
Transbordando de alegria, luz e florescer
Bendito És Tu, ó Pai! O ar de meu Viver!
Celso Ricardo de Almeida – O cenário que os meios de comunicação nos apresenta sobre o Estado do Amazonas é que a situação é alarmante, beirando o caos. Você que testemunhou toda essa situação, o que pode nos dizer? A situação é realmente tão ruim como noticiada?
Henrique Lucas – Sim! A primeira onda já foi ruim e a segunda está sendo um caos, tanto em Manaus quanto no interior. Faltaram leitos, oxigênio, insumos e profissionais. Outra questão absurda é que mesmo Amazonas tendo uma dimensão geográfica imensa só há UTI em Manaus. E como o meio de transporte aqui é feito na sua maior parte por barcos isto complica muito. Por outro, lado observa-se que o país está desgovernado sem planos nacionais de combate à pandemia. E isto faz com muitos não respeite as medidas municipais e estaduais e causem aglomeração. Hoje houve uma queda nos índices de contaminação e internação no estado, mas ainda é assustadora a situação em que nos encontramos.
Celso Ricardo de Almeida – Que mensagem de estimulo você daria para as pessoas que receberam seu teste positivo para Covid-19 e encontra-se com medo e sem esperança?
Henrique Lucas – Que procure seguir todas as recomendações médicas. E que não tenham medo. Se alimente bem é faça os exercícios recomendados, para a recuperação dos pulmões. É preciso ter controle emocional, pois a doença é sinistra e cruel e acomete cada um de maneira diferente. Tenha fé em Deus é confie na ciência!
Celso Ricardo de Almeida
Celsoricardo-almeida@bol.com.br
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