Artigo de Pedro Novaes: 'Amigos declarados'
Pedro Israel Novaes de Almeida: AMIGOS DECLARADOS
Tenho dois amigos, nada secretos, que merecem uma homenagem de fim de ano.
O mais idoso, que recebeu o nome de Nenê, descende de Labradores, de linhagem que certamente jamais esgrimiu uma enxada. Seus ancestrais, com certeza, não foram guerreiros combativos, tamanha a camaradagem com que recebe até mesmo as mais estranhas visitas.
Nenê jamais teve a pretensão de ser modelo, e segue despreocupado com o aumento de peso ao longo da idade, só controlado pelas desgastantes e inúteis corridas, no encalço do gato do vizinho. Gatos parecem paparazzi, estão sempre presentes, mesmo sem serem convidados.
Não fosse um animal doméstico, Nenê seria o protótipo do funcionário público de país onde as instituições não funcionam. Encerrado o expediente, retira-se a seu tapete e dorme, e nem mesmo a mais terrível das ocorrências extraordinárias pode modificar tal rotina.
Contrariando o tabu de que os labradores adoram a água, Nenê é visceral inimigo dos banhos, sendo necessária a presença da PM, para convencê-lo de que é melhor submeter-se a ser acorrentado.
Sem ser uma fera, e colocando em dúvidas um eventual sacrifício, para salvar o dono, Nenê continua bem cumprindo sua senda de tornar o ambiente agradável e amistoso.
Para completar a relação de cachorros, aqui aportou Lobo, um Pastor Alemão, cabendo em uma caixa de sapato. Como chorava no período noturno, a caixa era colocada ao lado da cama, com minha mão dentro.
Cresceu educado por Nenê, então rei do domicílio. Com o tempo, a natureza foi demonstrando que a raça tem características dominantes, e Lobo passou a adotar posturas que Nenê sequer imaginava existir.
Lobo elegeu o dono como chefe único, e não obedece nenhuma ordem partida de outra pessoa, quando presente o eleito. Tenta ser cordial e parecer camarada, mas as visitas só ultrapassam o portão após juras de que não morderá.
Continua respeitando Nenê, mas qualquer desavença é logo solucionada com um sonoro rosnado. Nas urgências da madrugada, Nenê avisa e Lobo parte para a missão de proteger a casa.
Lobo posta-se, sempre, às portas do cômodo onde está o dono, sempre pronto a receber cobradores e leitores que discordaram de algum artigo. Embora Lobo seja analfabeto, não admite a aproximação de qualquer pessoa com uma camiseta com os dizeres: “Não vai haver golpe”.
A convivência com animais domésticos anima a vida, e ensina a solidariedade como virtude natural e desinteressada. Há ações e reações que desafiam a proverbial mentira de que cães são irracionais.
É possível a convivência com outros seres que habitam o planeta, desde que não sejam cobras, aranhas, escorpiões e gatos, além de políticos corruptos e populistas enganadores.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.