Artigo de Ricardo Hirata: 'No reino dos objetos'

Ricardo Hirata Ferreira: ‘NO REINO DOS OBJETOS’

 

Ricardo Hirata Ferreira
Ricardo Hirata Ferreira

Vivemos em um período que tende a superficialidade, mas muitas vezes a radicalidade da superficialidade.

Soma se a isto a instantaneidade, o excesso e a raridade.

A ligeireza das informações, do conhecimento, das palavras, dos sentimentos e das relações, além da crença de que se sabe muito, quando não se sabe quase nada.

O paradoxo, no entanto é que junto com a ligeireza também coexiste a densidade; das emoções por exemplo.

O mundo nos lugares oferece muitas possibilidades e a experimentação torna-se uma necessidade (uma obrigação?).

Sempre me vem à pergunta: quem tem acesso? Uns mais, outros menos.

Ao mesmo tempo em que o descartável ganha força, em oposição, o apego também se fortalece.

Há muitas imagens, muitas falas, se escreve muito, se publica demais em pouco tempo…

Assim como existe pouca reflexão ocorre também um exagero de reflexão.

Nem sempre o aprofundamento da reflexão sugere a honestidade da análise.

A população enorme de objetos (técnicos) também é uma variável a ser levada em consideração, conforme já alertava o professor Milton Santos na década de 90.

As relações e as interações com os objetos de alguma forma já superaram as relações e as interações humanas.

Falamos, rimos, agimos e pensamos por meio dos e com os objetos.

Passamos muito tempo junto com eles.

O meio é hoje cada vez mais o reino dos objetos artificiais. Seres mais artificiais e menos naturais?

O atraso é ainda a não existência de andróides a imagem e semelhança de Deus que a ficção científica já revelou no passado em um futuro que pode chegar logo.

Tínhamos antes a televisão que abriu grandes horizontes, que também ampliou a alienação e “prendeu” as pessoas no espaço. Da calçada da rua fomos para o sofá dentro da casa.

Hoje temos a internet que expande os olhares e as ações, mas que também de alguma maneira limita e aprisiona.

Vejo velhos vidrados na TV e jovens fixados, crescendo e comendo em frente aos computadores.

Não sei por que, mas sempre me causava espanto ver pessoas falando sozinhas em shopping-centers, ou melhor, falando em meio às prateleiras repletas de mercadorias.

Muitas vezes não via tanta diferença entre paquerar a embalagem do extrato de tomate no hipermercado ou alguém em alguma balada. Constatação desagradável.

A máxima de que o shopping-center é o grande templo da mercadoria como já dizia a geógrafa Silvana Pintaudi da Universidade Estadual Paulista (UNESP, Rio Claro) é a marca deste tempo no espaço.

Não posso deixar de notar que os objetos implantados ou removíveis do corpo estão cada vez mais aprimorados, antes o fone nos ouvidos permitia apenas ouvir e se plugar em outro mundo paralelo, atualmente os fones vem com microfones que também permitem falar e ser ouvido por alguém que está em algum ponto do planeta.

Causa-me ainda espanto ver pessoas conversando aparentemente sozinhas nos automóveis de uma grande metrópole como em São Paulo, ou caminhando nas ruas de uma cidade média, gesticulando, rindo ou chorando e até mesmo gritando, em princípio sozinhas.

Aliás, acompanhadas dos seus objetos, agora o celular mais sofisticado que conecta as pessoas (criaturas virtuais e reais?).

Antigamente quando alguém começava a falar alto estando só, dizia se que era louco, nos dias de hoje parece ser normal. Mesmo assim é no mínimo estranho.

Tudo sem dúvida precisa ser revisto com o desenvolvimento acelerado da tecnologia. O fato concreto é que a sociedade ainda é a capitalista.

 

Ricardo Hirata Ferreira

Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP