Túnel do Tempo ROLiano: 'Quem cuida da sua saúde?'

Artigo escrito pela Dra. Aracy P. S. Balbani e publicado no dia 23 de julho de 2010 (sexta-feira, às 14h59)

Todos os dias os profissionais de saúde lidam com pacientes em estado grave, vítimas de violência e pessoas inconformadas com a precariedade de hospitais públicos ou com a burocracia e o valor da mensalidade dos planos de saúde.

É justa a revolta dos doentes e familiares com tudo isso. Porém, muitas vezes tal sentimento é extravasado através da agressão verbal ou física contra quem efetua o atendimento. Recentemente, o acompanhante de um paciente atacou enfermeiras de um hospital do Distrito Federal com uma seringa contaminada com o vírus HIV.

De outro lado, faz tempo que médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais e outros profissionais da área andam insatisfeitos com as condições de trabalho e a remuneração oferecida por boa parte dos empregadores. Muita gente se desdobra em vários empregos, chegando a fazer plantões em noites consecutivas num pronto-socorro mal equipado. Não sobra tempo para atividades físicas, culturais ou de lazer, nem para que o profissional cuide da própria saúde. O consequente desgaste físico e mental compromete a qualidade do atendimento prestado e coloca em risco a vida dos pacientes.

Há quem alegue que, se a pessoa escolheu uma profissão, não pode se queixar dos ossos do ofício. Mas como você se sentiria se tivesse acabado de almoçar e fosse o plantonista responsável por atender uma menina vítima de estupro e um trabalhador gravemente acidentado cujo cérebro está exposto, sem ter o direito de se sentir mal e correr para o banheiro, recusar socorro ou cometer erros?

Na Medicina, a lógica é subvertida. Errar é humano; médicos são humanos, logo… médicos não podem errar. Também é fato que a prática profissional em nosso País é ferozmente competitiva em vez de ser cooperativa. Quem pode mais, chora menos, e os profissionais de localidades onde há poucas oportunidades de emprego e pequena mobilização dos colegas comumente se veem acuados por algumas operadoras de planos de saúde.
A pressão insuportável vivida por pacientes e profissionais de saúde coloca-os em pé de guerra, e as consequências são negativas para todos. Há cada vez mais casos de erro médico, enquanto uma pesquisa da Unifesp publicada em 2005 mostrou que 36% dos médicos entrevistados eram dependentes de álcool e drogas, sendo que apenas 30% destes procuraram tratamento espontaneamente, em geral mais de três anos após o início do problema.

Fala-se muito em humanizar o atendimento à saúde. Todavia, para que isso se torne realidade no Brasil é preciso que os administradores dos serviços públicos e privados primeiro assegurem tratamento humano aos seus funcionários e prestadores de serviço. Somente com condições dignas de trabalho, apoio psicológico e programas de incentivo à atualização científica e ao bem-estar das pessoas que compõem a equipe de saúde teremos usuários e contribuintes satisfeitos, numa relação paciente-profissional verdadeiramente feliz e respeitosa.

 

Dra. Aracy P. S. Balbani é médica otorrinolaringologista. CRM-SP 81.725